Os Faróis estão acesos novamente – agora no feminino

Depois de três edições (em 2010, 2011 e 2014), a Mostra Faróis do Cinema volta ao cartaz a partir da próxima terça-feira (27/8), na Caixa Cultural do Rio de Janeiro. Dessa vez, enfocando exclusivamente cineastas mulheres.

Aída Marques, Ana Maria Magalhães, Beth Formaggini, Clarissa Campolina, Helena Ignez, Laís Bodanzky, Luciana Bezerra, Marina Meliande, Patrícia Niedermeier, Susanna Lira, Tetê Moraes e Theresa Jessouroun foram as escolhidas pela curadora Mariana Bezerra para comentar os seus filmes-faróis. Ou seja, aquelas obras e cineastas que mais apreciam e que as inspiraram em sua formação como cineastas. Serão conversas sobre cinema, cinefilia e criação.

Além de oferecer encontros presenciais com as diretoras, a mostra vai exibir um filme de cada uma e um dos seus respectivos filmes-faróis – o que inclui trabalhos de Godard, Resnais, Glauber, Sganzerla, Coutinho, Agnès Varda, Billy Wilder e Susana Amaral, entre outros. A programação está no site Faróis do Cinema, onde se encontram as escolhas de 48 cineastas e todo um histórico do projeto Faróis.

A entrada é gratuita com distribuição de senhas 30 minutos antes do início das sessões e das atividades extras. A mediação dos encontros será feita por mim e pelo crítico Leonardo Luiz Ferreira. No dia 4 de setembro, às 18h30, eu e Mariana faremos uma exposição geral dos motivos e da trajetória dos Faróis.

A Caixa Cultural RJ fica na Rua do Passeio, 38 (entrada pelo antigo hall do Cinema Palácio).

Para o catálogo da mostra, eu escrevi o seguinte texto a partir da minha experiência como criador do projeto Faróis do Cinema:

Pequeníssima história dos Faróis

Desde a invenção do cinematógrafo e até o cinema digital dominar as salas, a projeção de filmes se valia de um facho de luz. Um caminho luminoso passava acima de nossas cabeças, transportando a imagem da película diminuta para as grandes telas. Havia nisso um quê de farol.

Faróis são produtos de uma arquitetura poética. São feitos para guiar, fornecer referência e segurança para quem navega. Transformados em metáfora, representam a indicação de caminhos e a esperança de uma boa chegada. Um farol significa, assim, uma fonte de iluminação e inspiração no sentido mais amplo. Cada um de nós tem os seus faróis na vida, na arte, na cultura, no comportamento. Eles cunharam nossos gostos, preferências e maneiras de fazer.

Foi com esse espírito que iniciei, em abril de 2007, a série de postagens “Faróis” no DocBlog, que então mantinha no portal O Globo. Dada a especialização do blog, convidei inicialmente 39 documentaristas entre os/as mais importantes do país para que apontassem os cinco filmes que consideravam mais importantes na formação do seu olhar de cineasta. Sobre cada filme escolhido como um de seus faróis eles e elas escreveram pequenos comentários, alguns especialmente inspirados.

A ideia por trás da série era investigar as fontes de inspiração e os diálogos possíveis entre o diretor e o espectador que convivem em cada documentarista. Para tanto, valia listar todo tipo de filme: documentários ou ficções, filmes brasileiros ou estrangeiros, de qualquer duração ou formato. Ou seja, cinco faróis de sua navegação nas águas do cinema. O resultado pretendia ser uma contribuição para melhor compreendermos o documentário brasileiro contemporâneo, suas linguagens, escolhas e motivações.

Em 2010, Marcelo Laffitte (1963-2019) e Mariana Bezerra propuseram realizar uma mostra inspirada naquelas consultas, que recebeu o título “Faróis do Cinema – Documentário Brasileiro – Quem Faz e Quem Inspira”. Juntaram-se à equipe a produtora Paula Alves e o produtor Eduardo Cerveira.

Dedicada à memória de Mário Carneiro (1930-2007), a primeira edição do evento reuniu, na Caixa Cultural e no Oi Futuro (Rio de Janeiro), dez documentaristas em encontros de duplas. Eles e elas dissertaram sobre suas admirações, influências e diálogos com o cinema de outros grandes realizadores e realizadoras. Uma sessão especial, denominada “Novas Luzes”, apresentou curtas-metragens de quatro jovens diretores que então despontavam no documentarismo.

Uma segunda edição da mostra teve lugar na Caixa Cultural (RJ) em 2011, congregando dessa feita cineastas identificados/as prioritariamente com o cinema de ficção. Três anos depois, em 2014, mais uma vez a Caixa Cultural abrigou o evento, levando outros/as grandes cineastas brasileiros/as para comentar e debater suas admirações, filiações e afinidades no campo do cinema. Nessa edição, prestou-se uma homenagem ao então recém-falecido Eduardo Coutinho com a exibição da cópia retaurada de Cabra Marcado para Morrer, recordista de citações como farol entre documentaristas nacionais. A curadoria e a mediação dos debates, até então feitas por mim, foram assumidas, respectivamente, por Marcelo Laffitte e Andrea Cals.

Enquanto a série Faróis do Cinema continuava a ser publicada em blog específico, com cada cineasta comentando dez filmes-faróis, um novo salto lançou o projeto para além dos eventos presenciais com a criação do programa de TV exibido pelo Canal Brasil em 2015. Com direção de Laffitte e apresentação a meu cargo, “Faróis do Cinema” teve 15 episódios gravados em estúdio e fartamente ilustrados com cenas dos filmes abordados. A utilização de cinco câmeras propiciou uma linguagem ágil e inovadora em se tratando de programa de entrevistas. A equipe se formava com Jacques Cheuiche na direção de fotografia, Rafael Rolim na montagem, Marcio Câmara no som, Rafael Targat na direção de arte, Kassim na trilha de abertura e Julia Murad nos figurinos e maquiagem. Cada episódio era seguido da exibição, pelo canal, de um filme completo do diretor ou diretora em foco.

Depois de um recesso de nove longos anos, em que o país viveu tempos sombrios, os Faróis voltam a jogar seus fachos de luz sobre as redes de referência do cinema brasileiro contemporâneo. A nova edição da mostra, com curadoria de Mariana Bezerra e consultoria minha, dedica-se exclusivamente a mulheres cineastas. Doze diretoras apontaram seus filmes-faróis e se dispuseram a conversar com o público sobre cinefilia, influências e inspirações a partir das obras que consideram fundamentais na concepção da sua própria ideia de cinema.

Além de reflexão estética e genealógica, essa etapa de “Faróis do Cinema” pretende inserir-se num momento em que se procura corrigir as discrepâncias históricas de gênero e o relativo apagamento de um cinema feminino no Brasil. Vamos vê-las e ouvi-las.

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