A singeleza como meta

O DIA QUE TE CONHECI

Minha percepção é de que uma mudança sutil vai se consolidando na produção da Filmes de Plástico. A singeleza de longas como Ela Volta na Quinta, Temporada, No Coração do Mundo e mesmo Marte Um era uma contingência da forma de vida dos seus personagens aclimatados à periferia de Belo Horizonte. Os filmes eram naturalmente singelos porque nasciam de uma observação carinhosa do cotidiano. O Dia que te Conheci, por sua vez, me pareceu partir não mais do desejo de narrar uma história, mas da intenção de explorar um método. A singeleza deixa de ser uma contingência para se tornar uma meta.

Não diria que é uma singeleza exatamente fabricada, mas sim buscada em vários níveis. Já no título, que elimina a preposição “em” para ficar com a expressão usual da fala. Veja-se o destaque dado aos objetos domésticos e decorativos, assim como as caminhadas pela geografia afetiva de BH, Betim e Contagem. Ou as conversas moles em espiral, encharcadas de mineiridades.

A construção da singeleza está principalmente no quase-nada dessa comédia romântica que evolui sem charme ou convicção. Zeca (Renato Novaes) tem muita preguiça de se levantar cedo. Chega sempre atrasado à escola onde trabalha como bibliotecário. Acaba demitido. Luísa (Grace Passô), a funcionária que lhe comunica a demissão, lhe oferece uma carona. Daí rolam uma cervejinha e um encontro improvável de almas nos percalços do estresse urbano.

O terreno é fértil para Renato e Grace se espalharem em diálogos de um naturalismo radical, com resultados hilariantes. A química entre os dois vai se estabelecer de maneira literal pela via dos remédios para depressão e ansiedade. Em lugar das afinidades cor de rosa que aproximam os casais em filmes do gênero, temos aqui uma integração pelas “falhas” comuns, pelo que desloca ambos da pretensa normalidade. Um aroma do velho Woody Allen se faz notar.

André Novais Oliveira conduz essa deambulação com a graça costumeira, inserindo músicas glamourosas com efeito de contraste e preparando o mote principal com prólogos deliciosos, como os pastéis fora de hora ou o papo sinuoso com Kelly Crifer diante de um mural que celebra a negritude. Mesmo aí, diante das efígies de Malcolm X e Michael Jackson, André não se deixa levar por qualquer raspa de proselitismo. O que importa é buscar a singeleza como a própria substância do filme. Nas falas triviais, nos gestos curtos, nos diálogos filmados pelas costas no carro, na timidez de um e na assertividade da outra, esse é um dia encantador para quem assiste.

>> O Dia que te Conheci está nos cinemas.     

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