BRAZYL, UMA ÓPERA TRAGICRÔNICA
A grafia do título chama imediatamente à lembrança Glauber Rocha. Certos momentos do filme aludem também às Jogralescas de que Glauber participava na Bahia em fins da década de 1950. Há mesmo uma pulsão glauberiana em certas passagens desse filme-manifesto do igualmente baiano José Walter Lima. Mas Brazyl, uma Ópera Tragicrônica troca o sentido alegórico de, por exemplo, A Idade da Terra por uma frontalidade política mais literal.
A partir de seu texto teatral, montado no Teatro Oficina em 2019, Lima realizou um sarapatel cinematográfico que junta Glauber, Oswald de Andrade, Zé Celso (a quem o filme é dedicado), a poesia, o teatro de revista, o hip hop e a sátira política numa sucessão de esquetes anárquicos e às vezes apocalípticos. A ideia é revolver a história do Brasil em busca das raízes do que então se vivia durante o governo Bolsonaro. Pode soar datado à primeira vista, mas, pensando bem, como aquele quadro não está afastado do nosso horizonte (vide o maluco das bombas em Brasília), a atualidade se mantém. “O país está doente, o planeta está doente”, diagnostica-se bem a propósito.
Lá estão representados os indígenas espoliados (na verdade uma cabocla típica da mitologia baiana), os escravizados, monarquistas, integralistas, supremacistas brancos, empresários corruptos, policiais adeptos da tortura, juízes solertes, mentores do golpismo, ricaços separatistas, celebridades de araque, alpinistas sociais, etc. Até as antigas marchinhas de carnaval saem tisnadas como veículos de racismo e machismo.
Diante de um palquinho e um telão, seis atores se apropriam com apetite e expressividade dos textos, poemas e músicas, ainda que as limitações do processo de filmagem nem sempre façam jus a tanta energia. Aí reside a diferença entre esse filme e um parente próximo no estilo, o ainda inédito Mário de Andrade, o Turista Aprendiz, de Murilo Salles, mais bem resolvido esteticamente.
Brazyl tem momentos muito palavrosos e não dá muita bola para a sutileza. Em compensação, nos brinda com uma verve carnavalesca e uma convicção antiautoritária que têm sido raras no cinema brasileiro. A viagem é convidativa.
>> Brazyl, uma Ópera Tragicrônica está nos cinemas.

