BLACK TEA – O AROMA DO AMOR
O mauritano Abderrahmane Sissako é um dos mais festejados cineastas africanos. A Vida Sobre a Terra, Bamako, Esperando a Felicidade e Timbuktu fizeram seu nome no panorama internacional. Isso, porém, teve um custo, que é cobrado com juros nesse equivocado Black Tea – O Aroma do Amor (Black Tea). A tentativa de explorar o filão das histórias românticas temperadas com algo de comer ou beber (no caso, os chás) esbarra num roteiro tortuoso entre as feridas afetivas de personagens desprovidos de consistência.
A história, distribuída entre locações da Costa do Marfim, Cabo Verde e Taiwan, promove uma pororoca dramatúrgica e cultural difícil de engolir. Tudo começa na Costa do Marfim, onde Aya (a francesa Nina Mélo) diz “não” na cerimônia de casamento. Saberemos o motivo na metade da projeção. Ela emigra para a China (filmada em Taipei) sem que tenhamos a mínima ideia da razão dessa escolha. Da mesma forma, uma grande elipse nos esconde como ela aprendeu o idioma e estabeleceu-se como empregada de uma loja de chás.
O romance com Wang Cai (Han Chang), o dono da loja, quase 20 anos mais velho que ela, evolui sem que tampouco percebamos o que se passa no íntimo de cada um deles. Wang Cai tem um histórico amoroso conturbado e uma filha distante, o que nubla um bocado a relação com Aya. Ele parece ter uma queda por mulheres negras e trata Aya como uma iguaria exótica, chamando-a de “Black Tea” – o que ela aceita sorrindo.
Muita coisa soa estranha na concepção desse filme por parte de um diretor africano. Sissako europeizou bastante seu estilo, desde sempre inclinado ao esteticismo. Aqui ele cria uma narrativa sedosa, lenta e ritualizada, como se quisesse emular ora a liturgia das cerimônias do chá, ora a sensualidade visual de Wong Kar-Wai. No entanto, tudo o mais parece incongruente, como o (utópico?) bairro afro-chinês em Guangzhou, as lanternas iguais que parecem transportadas de um cenário para outro a fim de caracterizar a China ou a canhestra chegada de Wang Cai a Cabo Verde para um acerto de contas familiar.
Só nos 15 minutos finais é que Sissako enfim traz à cena sua intenção de denunciar o preconceito anti-africano entre os chineses, coisa até então ausente daquele ambiente. Mas então o chá já esfriou há tempos, e é tarde para Black Tea exalar seu aroma.
>> Black Tea – O Aroma do Amor está nos cinemas.

