Uma amizade fora da caixinha

AVENIDA BEIRA-MAR

Numa cena de Avenida Beira-mar, a menina trans Mika (Milena Gerassi) parece abaixar as calças e mostrar alguma coisa a que se refere assim: “Essa fui eu que fiz”. Ela tem também algo como uma cicatriz na parte de trás da cabeça que as pessoas tocam mas não sabemos do que se trata. A omissão desses dois detalhes para o espectador resume um pouco da maneira como Maju de Paiva e Bernardo Florim conduzem o roteiro do seu filme: nem tudo o que se enuncia se esclarece satisfatoriamente.

Nesse limbo dramático ficam, por exemplo, a doença da mãe de Rebeca (Andréa Beltrão), a ausência de ambos os pais e a participação da vizinha (Analu Prestes). Tive a impressão de que a escrita – ou seria a montagem de Joana Collier? – nos rouba algumas conclusões de cenas que seriam fundamentais para nos engajarmos com a deriva das meninas.

A partir de uma briga por roubos, Rebeca, filha negra de mãe branca, torna-se amiga de Mika, nascida João Pedro, que usa cabelos longos e se veste de menina. Juntas, enfrentam o bullying de garotos tóxicos e invadem casas alheias para brincar e fazer pequenos roubos. Um canivete em posse de Rebeca semeia uma ideia de perigo.

Avenida Beira-mar foi filmado na região oceânica de Niterói e tem um frescor bem-vindo na abordagem de uma amizade fora da caixinha. As duas Milenas interagem com espontaneidade, e Andréa Beltrão capricha no naturalismo. O que amofina um pouco o resultado final são mesmo os hiatos do roteiro, o ritmo às vezes muito lento e a falta de um melhor desenvolvimento para cada uma das personagens centrais.

Nesse aspecto, o filme se parece com a piscina vazia que Rebeca rejeita. O mar está ali, logo adiante. Para quê piscina? Assim ficamos com um bom ensaio de mergulho, mas sem a piscina nem o mar.

>> Avenida Beira-mar está nos cinemas.

Deixe um comentário