BABY e pílulas preguiçosas sobre UMA ALEGORIA URBANA, HISTÓRIAS QUE É MELHOR NÃO CONTAR e COMO GANHAR MILHÕES ANTES QUE A AVÓ MORRA
Em sua primeira meia hora, Baby me parecia ser apenas mais um filme gay que enxerga o mundo somente pelo viés da erotização. Wellington completa 18 anos e sai da Fundação Casa (antiga Febem). As passagens por um cinema pornô, por uma sauna, pelo michê na casa de um cliente e até por uma academia de boxe se prestam a erotizar o corpo do garoto, que adota o cognome Baby. Aos poucos, porém, um arco dramático mais sólido começa a se armar.
Enquanto não localiza sua mãe, Baby se deixa cuidar por Ronaldo (Ricardo Teodoro), um misto de pai, namorado e patrão que o introduz no tráfico de drogas. Amor e perigo fazem um coquetel excitante até que Baby se interessa por um homem ainda mais idoso que conhece no Bailão (tema de um curta famoso de Marcelo Caetano).
Baby faz uma espécie de inventário das relações possíveis para um jovem como Wellington no ambiente pobre e transgressor do centro de São Paulo. Da família nuclear que ele tenta reencontrar à família heterodoxa (em matéria de gênero) de Ronaldo e à “família” do grupo não binário que faz performances de vogue em troca de dinheiro pela cidade, tudo serve para formar a personalidade em construção de Baby.
João Pedro Mariano tem o misto de fragilidade e sensualidade que deve encantar parceiros mais velhos. Ele é um papel em branco onde o diretor Marcelo Caetano pode projetar a ingenuidade e a disponibilidade de Baby para o sexo, a contravenção e o eventual lirismo das ruas. Mas também a lacuna que o faz procurar afeto onde quer que seja.
A direção demonstra sensibilidade para captar a atmosfera suja e luminosa da área central da Pauliceia, peça inseparável de tudo o que acontece. A fotografia de Joana Luz e Pedro Sotero, a direção de arte de Thales Junqueira e a montagem de Fabian Remy são de primeira qualidade e se somam à boa química entre os atores para resultarem num filme, afinal, comovente.
>> Baby está nos cinemas.
UMA ALEGORIA URBANA
Depois da parceria com Agnès Varda em “Visages, Villages”, o fotógrafo de grandes proporções JR se juntou a Alice Rohrwacher no curta Uma Alegoria Urbana (Allégorie Citadine), que está na plataforma Mubi. É mais um pequeno delírio poético da diretora, sempre conectando o passado com o presente, a erudição com o divertimento. No caso, a parábola da Caverna de Platão se presta à microaventura de uma mãe que chega atrasada a uma audição de balé e não percebe que o filho pequeno saiu de perto (da caverna) para as ruas de Paris. De repente, a paisagem começa a se modificar à medida que as paredes são descobertas das megafotos de JR que as cobriam. Coberturas e suportes equivaleriam às sombras e à realidade na dicotomia de que falou Platão? Um diálogo sutil com o clássico O Balão Vermelho e com o cinema de Leos Carax, que está no elenco? Não sei bem, mas é bonito e lúdico.
HISTÓRIAS QUE É MELHOR NÃO CONTAR
Mais uma produção que parece ter saído das planilhas de televisão. São cinco sitcoms baseadas em mentiras dos personagens, que ao serem descobertas provocam “saias justas” daquelas. A partir de situações claramente forçadas pelo roteiro, desenrolam-se os temas de traição, inveja recíproca, decepção amorosa, suposições equivocadas e surpresa transgênero. Dirigido em Barcelona por Cesc Gay com elenco afiado. Divertido ocasionalmente, mas rapidamente esquecível. Só não dá para esquecer o rosto de Alejandra Onieva (no papel de Bárbara), um dos mais bonitos do cinema atual.
COMO GANHAR MILHÕES ANTES QUE A AVÓ MORRA
O blockbuster tailandês aciona todos os botões de uma comédia dramática clássica: uma família disfuncional, uma avó com doença terminal, a disputa por sua herança, o oportunismo que acaba se convertendo em sentimento legítimo. O elenco é simpático, mas a encenação de Pat Boonnitipat é quase sempre medíocre. Sem falar no pianinho meloso que se insinua a cada momento supostamente comovente. A ideia é manipular as emoções do espectador para que ele se identifique com o neto matreiro e compartilhe suas expectativas. Mas tudo é muito previsível, pré-fabricado, e se arrasta por tanto tempo que eu já torcia para abreviar a morte da vovó Mengju.





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