Palco de segurança máxima

SING SING        

Existe um pano de fundo real de valor por trás de Sing Sing. O programa Rehabilitation Through the Arts (RTA) atua em diversos presídios dos EUA, visando trocar a ideologia de punição pela de ressocialização através das artes e da literatura. O programa surgiu na prisão de segurança máxima de Sing Sing, no estado de Nova York, onde a maior parte do filme foi gravada. Diversos ex-detentos e participantes do RTA atuam nos seus próprios papéis, com destaque para Clarence ‘Divine Eye’ Maclin como um traficante em pleno processo de reabilitação. Uma atuação que merecia prêmios.

Mas o protagonismo é de John “Divine G” Whitfield, vivido na tela por Colman Domingo, um dos indicados ao Oscar de melhor ator. O personagem real aparece numa curta cena como um fã de sua contraparte cinematográfica. Quando o filme começa, Whitfield está há dez anos preso por um crime que não cometeu. Foi ele que iniciou as atividades de teatro em Sing Sing, e por isso é visto com respeito pelos colegas.

O roteiro, adaptado de mais de uma fonte com a consultoria dos dois “Divines”, descreve a criação de um espetáculo cômico-paródico envolvendo Egito antigo, gladiadores, Hamlet, western, policial e viagem no tempo. Nesse processo, alguns personagens encontram brechas para exercerem a afetividade e encontrarem propósitos para seguir vivendo. Eles revelam um pouco de sua subjetividade em solilóquios muito compenetrados, onde sobram referências às mães e avós.

Infelizmente, não há aqui a conexão entre vida e teatro, como vimos em Cesar Deve Morrer, dos irmãos Taviani. A proposta de Sing Sing é sobretudo “edificante”, até porque se trata de louvar um programa regenerador. O destaque conferido ao personagem de Colman Domingo é claramente uma construção hollywoodiana, uma vez que sua participação efetiva na trama não é maior que a dos demais. Na imensa maior parte do tempo, a ação poderia estar se passando em qualquer centro comunitário, uma vez que a realidade do cárcere está completamente ausente. Ainda outra deficiência do filme de Greg Kwedar é não conseguir transmitir o humor da peça, enfocada apenas em poucos fragmentos insípidos.

Sing Sing tem a virtude de mobilizar com eficácia um elenco heterogêneo e chamar atenção para um projeto de extrema relevância que agora pode se ver ameaçado pela sanha anti-humana de Donald Trump. Como cinema, porém, me pareceu um drama institucional previsível, padronizado e sanitizado.

>> Sing Sing está nos cinemas.

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