O alvorecer da esfinge Dylan

UM COMPLETO DESCONHECIDO

Por mais improvável que parecesse, a escolha de Timothée Chalamet para interpretar o jovem Bob Dylan resultou acertadíssima. A começar pelo ar insuportavelmente cool cooltivado pelo ator – o que faz dele, para mim, uma das figuras mais antipáticas de Hollywood. Mas em Um Completo Desconhecido (A Complete Unknown), esse seu jeito sebosinho se presta bem a encarnar o misto de indolência e rebeldia de Robert Allen Zimmerman.

Além disso, a preparação vocal, instrumental e corporal de Chalamet, assim como de Edward Norton no papel de Pete Seeger e de Monica Barbaro como Joan Baez, é de tirar o boné. Eles cantam e tocam em todas as canções, seja solo, em duplas, trios ou com bandas. Chalamet se esmera na voz “miada” e na introspecção estilosa de Dylan. As performances musicais são o que o filme tem de melhor porque o resto se limita a um modelo biográfico superficial e bastante convencional.

O título, extraído de um verso de Like a Rolling Stone, se refere não apenas ao início da carreira de Dylan, quando ele chegou a Nova York em 1961 sem ter onde cair vivo. Um completo desconhecido é como ele seguirá, esfíngico, através de músicas, amores e parcerias.

Baseado em livro do músico e jornalista Elijah Wald, o filme de James Mangold se concentra na aparentemente rápida ascensão de Dylan na cena folk, sua admiração pelo compositor anti-fascista Woody Guthrie (já então internado com a doença degenerativa que o levaria à morte), a amizade com o músico e produtor Pete Seeger, fundador do Newport Folk Festival, e as relações tortuosas com as namoradas Sylvie (na verdade Suze Rotolo) e Joan Baez.

Os tempos de crise dos mísseis, luta pelos direitos civis e guerra do Vietnã chegam pela televisão, mas não parecem tocar particularmente o ensimesmado Dylan. É mais um pano de fundo do que um dado dramático na construção de sua personalidade. O contexto mais privilegiado é o da transição do folk para o rock n’roll e a dessacralização do purismo folk com Dylan abraçando a guitarra elétrica em meados da década de 1960. Uma apresentação bombástica e histórica em Newport 1965 ganha reconstituição empolgante no último ato do filme (veja aqui um pouco do original).

A insubordinação de Bob Dylan aparece mais nesse aspecto da evolução musical. Um pouco como Luiz Melodia no Brasil, ele se recusava a seguir os padrões exigidos pelas gravadoras. Não queria ser o eterno “Tambourine Man” que todos esperavam, mas alguém apaixonado pelas veredas menos conhecidas, sempre com uma novidade na ponta dos dedos e da língua. Um Completo Desconhecido esboça essa imagem, mas é apenas correto e se contenta com os traços mais óbvios da caracterização.

>> Um Completo Desconhecido está nos cinemas. 

Um comentário sobre “O alvorecer da esfinge Dylan

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