“Menos minhas hemorroidas”

BETTER MAN: A HISTÓRIA DE ROBBIE WILLIAMS

A edição vertiginosa e um rosto de macaco não dissimulam que Better Man é uma cinebiografia padrão. A história do superastro pop britânico Robbie Williams passa por estágios habituais do gênero: a descoberta da vocação na infância, uma relação difícil com o pai ausente, a ascensão numa boy band dos anos 1990 (Take That), as crises de rejeição, a descida ao inferno das drogas, um namoro conturbado, a reabilitação e enfim o estrelato absoluto na carreira solo.

Do início ao fim, Robbie é representado por atores “mascarados” de chimpanzé por computação gráfica, na técnica de motion capture. Rapidamente nos acostumamos com essa bizarrice e a aceitamos plenamente. Adulto, ele é encarnado pelo ator Jonno Davies, um quase-sósia de Robbie. Nas cenas musicais, é a voz de Robbie que ouvimos. Estas, aliás, são as partes mais impactantes do filme. São videoclipes alucinantes, especialidade do diretor Michael Gracey. A montagem caleidoscópica salta de um cenário para outro sem que percebamos os cortes. Uma dessas cenas, gravada na curvilínea Regent Street de Londres, e um pas-de-deux com Nicole (Raechelle Banno) me fizeram levantar da poltrona.

Mas nem sempre essa vertigem de imagens funciona a favor do filme. Nas passagens mais voltadas para o drama, o corta-corta histérico não nos permite processar o que vemos. Isso é parte de uma estética em voga na produção pop, onde o que importa não é assimilar, mas ser carregado por um fluxo veloz.

De qualquer forma, Better Man se impõe pelo apetite de Robbie Williams (produtor executivo do filme) para se mostrar por inteiro. “Menos minhas hemorroidas”, como ressalvou ao radialista holandês Gerard Ekdom. Lá estão, portanto, o cara ambicioso que desde cedo não escondia o desejo de ser grande (“the ego has landed”, é como alguém informa sua chegada num estúdio), assim como o músico menosprezado que todos rejeitavam no início. Antipático, deprimido, arrogante às vezes e invejoso aqui e ali, Robbie aparece como alguém que odeia a si mesmo enquanto não está sendo aclamado nos palcos. Consta que, durante muito tempo, ele se via como um macaco, no sentido de alguém que não evoluiu a contento. Numa cena, entra em luta cruenta contra dezenas de outros macacos, os seus fantasmas interiores, na plateia de um megashow.

Robbie fez tudo “do seu jeito”, numa homenagem a Frank Sinatra, um de seus ídolos primeiros. É curioso que toda essa trajetória pedregosa se conclua, no filme, da maneira mais conciliadora (eu diria mesmo cafona) que se possa imaginar. Mas, até então, Better Man é uma trip cinematográfica atordoante e surpreendente. Mesmo que o personagem não ressoe tanto na nossa imaginação quanto ressoa na dos ingleses.

>> Better Man: A História de Robbie Williams está nos cinemas.

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