BOLERO – A MELODIA ETERNA
Um aviso nos créditos finais desse filme sobre Maurice Ravel informa que “para melhor exprimir a verdade do personagem, os autores por vezes descartaram a exatidão histórica, notadamente no que concerne à vida pessoal do compositor e às condições de criação do Bolero na Ópera de Paris”.
Muito embora toda obra biográfica faça esse tipo de operação, em menor ou maior grau, o aviso tenta justificar uma abordagem cuidadosa, mas sanitizada e acadêmica do assunto.
O Bolero de Ravel é a música francesa mais tocada no mundo. Na abertura de Bolero – A Melodia Eterna (Bolero), vemos exemplos de performances em diversos continentes e estilos. Mas, para seu autor, terá sido motivo de orgulho e ao mesmo tempo de tormento. O filme de Anne Fontaine gira em torno da encomenda (mais uma entre tantas da carreira de Ravel) de uma composição pela bailarina russa Ida Rubinstein.
Ravel vai se inspirar em ritmos da indústria, da vida cotidiana e de uma canção popular para chegar à estrutura repetitiva e obsedante do Bolero. Para ele, seria um tributo à mecânica e à modernidade. Mas eis que Ida se apropria da música para, no palco, trazer à tona o seu potencial erótico, seara em que Ravel não possuía a menor intimidade. Consta que ele permaneceu solteiro por toda a vida, com insinuações (não mencionadas no filme) de que era homossexual.
Bolero, o filme, circula por vários momentos da vida do músico e por seus laços imprecisos com Ida, com a amiga sedutora Misia (Doria Tillier), com a professora Marguerite (Emmanuelle Devos) e com o amigo Cipa (Vincent Perez). Na pele do ator Raphaël Personnaz, Ravel é retratado como um almofadinha refratário às emoções e insatisfeito com a própria obra. Esse perfil gera um vácuo dramático no centro do filme, que o torna um tanto insípido e moroso.
A temperatura esquenta um pouco quando Jeanne Balibar está em cena como Ida Rubinstein. Sua performance provocativa chega a um clímax no balé-título, executado como um rondó narcísico.
Se para Ravel tudo terminava em catástrofe, como bem ilustram os acordes bombásticos que concluem o Bolero, esse filme se encerra em tom menor, com o desastre interior que levaria o compositor a seus dias finais.
>> Bolero – A Melodia Eterna está nos cinemas.


