O corre de um imigrante em Paris

A HISTÓRIA DE SOULEYMANE

Se Ken Loach fizesse um filme na França, talvez fosse algo muito próximo de A História de Souleymane (L’Histoire de Souleymane). Ali estão um personagem submetido às agruras da imigração ilegal e da precarização do trabalho, um olhar generoso para os excluídos da modernidade e um jeito de filmar tão realista que se aproxima do documentário. Com esse filme, o diretor Boris Lojkine se revelou um fino artífice do cinema social e mereceu os prêmios do júri, da crítica e de interpretação (para o ator principal Abou Sangaré) na mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes de 2024.

A performance excepcional de Sangaré, laureada também com o César de ator revelação, certamente se apoia em sua própria experiência de imigrante. Oriundo da Guiné, ele chegou à França em 2018, aos 16 anos. Viveu ilegalmente até conseguir, depois da repercussão do filme, um visto temporário de um ano. Lojkine o conheceu enquanto pesquisava junto à comunidade guineense de Paris.

Ele vive Souleymane, entregador de aplicativo que trabalha com uma conta alugada de outro imigrante já estabelecido. A mãe doente e a namorada à beira de outro casamento na Guiné formam um pano de fundo doloroso. Dali a dois dias, ele terá uma entrevista decisiva com vistas a obter o asilo como refugiado político. Para isso, precisa decorar uma história inventada que envolve a atuação num partido político da Guiné.

Nesse ínterim, testemunhamos as tensões do trabalho de entregas numa forma como eu nunca tinha visto antes no cinema. À pressão de clientes e fornecedores se soma o desespero de Souleymane em busca do dinheiro para adquirir os documentos necessários à entrevista, assim como a correria para fazer jus ao abrigo onde passa as noites. As cenas de périplo ciclista pelas ruas de Paris, com o ator seguido em velocidade pela equipe de filmagem também em bicicletas, são de tirar o fôlego. Contribui para isso a captação de sons da cidade, que ampliam a sensação aflitiva em torno do rapaz.

E quando chega a hora da tal entrevista, a angústia chega a um clímax de cortar o coração. Sangaré e a atriz Nina Meurisse, no papel da agente pública, têm um tête-à-tête extremamente emocionante. Aliás, esse filme faria jus a um prêmio especial pelo conjunto do elenco, quase todo formado por atores não profissionais. O diretor aparece como o dono do restaurante que expulsa Souleymane.

>> A História de Souleymane está nos cinemas.

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