A MULHER QUE NUNCA EXISTIU
A Tunísia é uma das nações mais liberais do mundo árabe. Tem hoje uma democracia estável e costumes bastante modernos para um país de maioria muçulmana. Ainda assim, o lugar da mulher continua a ser o da suspeita, quando não da subalternidade familiar e profissional. E não é assim somente na província, como mostra A Mulher que Nunca Existiu (Aïcha), do diretor Mehdi Barsaoui.
Aya (Fatma Sfarr) vive com os pais em Tozeur, cidade do deserto no sul da Tunísia. Para sustentar a família, trabalha num hotel chique e mantém um romance com o gerente casado na esperança de que ele se divorcie e a leve para a capital, Túnis. A oportunidade de mudança vai surgir de maneira inusitada quando a van do hotel se arrebenta numa ribanceira e ela é a única sobrevivente. Dada como morta, ruma para Túnis a fim de começar nova vida com outra identidade. Chega mesmo a mencionar a intenção de reconstruir o hímen, hábito comum entre mulheres árabes que pretendem se casar depois de perderem a virgindade.
Não demora para vermos em Aya uma jovem imatura em seus vinte e tantos anos. Na cidade grande, periguete levada pelas águas da inconsequência, acaba como pivô de uma paquera seguida de assassinato. É tomada como testemunha para livrar a cara de policiais envolvidos no crime.
Os maus passos de Aya são agravados por um contexto machista e potencialmente abusivo para as mulheres. Contexto que começa na própria família e se estende por todos os estamentos da sociedade. Estar supostamente morta será uma saída para Aya sentir-se viva. Ironicamente, num dado momento ela vai assumir o nome de Aïcha, que significa “viva”em árabe.
Mesclando melodrama e trama policial, Mehdi Barsaoui demonstra segurança e fluência narrativa para ninguém botar defeito. Leva seu barco com equilíbrio e cuidado estético até o porto final, sem que algumas inverossimilhanças cheguem a turvar o caminho. É implausível, por exemplo, que Aya saia daquele acidente sem nenhum ferimento grave ou que tenha a senha do cofre do hotel. Não é um filme perfeito, mas entretém e joga luzes sobre uma realidade muito particular daquela parte do mundo.
>> A Mulher que Nunca Existiu está nos cinemas.

