Uma estranha doença sueca

SÍNDROME DA APATIA

Depois do belíssimo A História de Souleymane, outro filme de impacto traz novo olhar sobre o drama da imigração na Europa. Em Síndrome da Apatia (Quiet Life), uma família de refugiados russos procura asilo político na Suécia e depende do testemunho da filha menor para sensibilizar o Serviço de Imigração. Mas eis que, diante da pressão da burocracia e da angústia dos pais, a menina sofre um desmaio e entra em coma.

Diagnóstico: Síndrome da Resignação, ou da Apatia, estranha doença surgida nos anos 1990 especificamente na Suécia, vitimando crianças refugiadas sobretudo da antiga URSS, dos Balcãs e de comunidades ciganas. Como numa autodefesa contra o trauma, as crianças têm suas funções cerebrais desligadas da realidade e podem levar anos para sair do coma, às vezes com sequelas gravíssimas – isto é, quando saem. Algo assim acontece no filme com a pequena Katia (Miroslava Pashutina). O estado comatoso é referido ironicamente no título original como “quiet life” (vida tranquila).

Abre-se, então, uma dupla denúncia. De um lado, um sistema de imigração que se torna desumano pelo excesso de zelo burocrático. Para descrevê-lo, os roteiristas não poupam acidez, como no suposto apoio aos pais com ridículas instruções de como “liberar seus sentimentos tóxicos” e como se comportar diante da menina desacordada . Um programa criado para proteger os necessitados se torna instrumento de castração e violência contra a união familiar.

De outro lado, no desespero para conseguir o asilo, os pais (Grigory Dobrygin e Chulpan Khamatova) torturam Alina (Naomi Lamp), a filha maior, para que ela minta num depoimento crucial. É o que dá margem a mais uma entrevista excruciante em torno de uma mentira, como a que vimos em A História de Souleymane. As consequências, mais uma vez, são trágicas.

O percurso dessa família é tanto mais aflitivo pela forma gélida e hierática com que é encenado pelo diretor grego Alexandros Avranas. As composições visuais simétricas, o silêncio predominante nas relações e os ambientes glaciais das instituições sugerem um cruzamento do nonsense de Kafka com a severidade de um Michael Haneke.

Síndrome da Apatia se inspira em um caso real de poucos anos atrás para tratar de uma doença que já afetou muitas centenas de crianças refugiadas. Há suspeitas de oportunismo de pais que adoeceriam seus filhos, assim se beneficiando de uma permissão especial para permanecerem na Suécia. O filme, porém, aponta sua acusação para um sistema social que faz fronteira com o horror burocrático e clínico.

>> Síndrome da Apatia está nos cinemas.

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