NADA
Primeiro longa-metragem de Adriano Guimarães, Nada invoca inspiração longínqua em Manoel de Barros (Livro sobre Nada) e Samuel Beckett (Texts for Nothing). O que nos leva a pensar no mistério das pequenas coisas e nas especulações sobre o self. Com essas expectativas, embarcamos na viagem da artista visual Ana (Bel Kovarick) de volta à fazenda de sua infância, onde ainda mora sua irmã mais velha, Teresa (Denise Stutz).
Teresa precisa tratar um aneurisma cerebral, mas essa questão rapidamente desaparece em vista de algo mais intrigante: Teresa vê o pai que já morreu há muito tempo e põe na mesa um prato para a mãe, igualmente falecida. Ela não é a única a ser afetada por uma misteriosa antena instalada nas proximidades. Ana passa a entrevistar com sua câmera moradores que se veem em idades diferentes ou simplesmente não conseguem se esquecer de mais nada. A antena sintoniza as pessoas com outras dimensões da memória e do tempo.
Em chave desdramatizada e com um apego às vezes excessivo ao tempo real das cenas, vemos Ana tentando vencer a incomunicabilidade com a irmã e compreender o que se passa ali. Os celulares não pegam direito, e os animais parecem indiferentes à presença humana (a vaca na estrada, o cachorro sobre a mesa). As gravações em vídeo de Ana, muito frontais e cruas em preto e branco, fazem o contraponto tecnológico com o enigma da antena. Mais adiante, vão virar uma videoinstalação num museu de Brasília.
Adriano Guimarães e o diretor de fotografia André Carvalheira sabem onde colocar a câmera e explorar os espaços de Brasília e da fazenda de maneira sugestiva. As entrevistas com os moradores são tão naturais que, se o assunto não fosse tão insólito, poderiam ser tomadas como documentais. Apesar dessas qualidades e da acertadamente discreta atuação das duas atrizes principais, Nada carece de substância para sua ambição metafísica. Afasta os termos do filme de terror e da ficção científica, mas não oferece muito em troca. A cena final explicita a apropriação de um mistério pela rotina da arte contemporânea.
>> Nada está nos cinemas de São Paulo e outras cidades. Ainda não chegou ao Rio de Janeiro.

