O horror por trás do canal

#SALVEROSA

Exímia realizadora de documentários sociais, Susanna Lira estreia na direção de ficção com um filme fiel a sua opção de trabalhar com a realidade. As crianças influencers da internet tornaram-se uma coqueluche nos EUA desde a década passada, e o lado sombrio disso – exploração, abuso, erotização e commoditização da infância – pode ser medido pelo documentário Má Influência, disponível na Netflix.

#SalveRosa aborda esse triste fenômeno com um drama familiar que roça as bordas do thriller de terror. No Festival do Rio, venceu no voto popular e nas categorias de melhor atriz (Klara Castanho) e melhor figurino (Renata Russo).

Tudo soa inquietante desde a primeira cena, quando vemos Dora (Karine Teles) orientando a filha na gravação de mais um vídeo do seu canal de promoção de brinquedos. O cenário, a casa e o condomínio de luxo na Zona Oeste do Rio de Janeiro têm algo de fake, postiço e mesmo satírico em relação à classe social. Tudo compõe um mundo artificial, como que saído de um canal de vendas do Youtube.

Aos 13 anos, Rosa tem dois milhões de seguidores e uma controladora tirana sob a pele da mãe carinhosa. Dora administra seus horários, sua dieta e sua performance no canal com uma mão de ferro forrada de veludo. A filha da vizinha a admira e quer também ter o seu canal. O desejo de sucesso é algo que “viraliza”.

Ao que tudo indica, Dora enriqueceu às custas do patrocínio à filha, e não vê limites para preservar sua galinha dos ovos de ouro. Karine Teles tem uma atuação transbordante de perfídia que evolui para a esfera do sinistro à medida que Rosa e nós vamos descobrindo suas maquinações. O horror corporal é convocado em pelo menos uma cena inquietante.

O thriller flerta com Hitchcock e com o filme noir, entre outras matrizes de suspense, sempre aditivado pela ótima trilha musical de Flavia Tygel. Karine Teles encontra boa companhia em Klara Castanho, atriz de 23 anos que interpretou uma menina de 13, assim semeando apreensão no espectador pela sua simples figura.

Embora com pequenos buracos na trama e sem uma produção mais convincente para expor o canal da garota, #SalveRosa mantém o público ligado e injeta veneno no conceito de desvelo materno. Nesse sentido, é diabolicamente divertido.

>> #SalveRosa está nos cinemas.  

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