À mesa com Scola

O JANTAR na Mostra de Cinema Italiano

Uma nostalgia da pureza perdida domina os filmes de Ettore Scola. Esta pureza pode estar tanto nos ideais de uma sociedade mais justa – embora o comunista Scola nunca tenha propriamente militado em seus filmes -, como na inocência anacrônica de seus personagens. Fazendo-os regredir a uma espécie de infância tardia, Scola assim combate o desencanto com o passar do tempo, as transformações daí advindas e, sobretudo, as decepções de projetos de vida que não saíram da esfera do sonho.

Vittorio Gassman foi veículo da síndrome Scola em nove filmes, destacando-se Nós que nos Amávamos Tanto (1973), O Terraço (1980) e A Família (1987). Em todos eles, um grupo de pessoas cotejava suas convicções e fantasias somente para concluir que a carne é fraca, a Itália é dúbia, mas a vida é bela.

O Jantar, realizado em 1998, não foge à regra. Gassman vive o mais antigo frequentador de uma trattoria romana, cujo movimento humano observa e comenta com a exuberância interpretativa de sempre. Nesse microcosmo do país, cada mesa apresenta um caso sintomático de velhas “questões” italianas. Uma perua (Stefania Sandrelli) tenta dissuadir a filha de entrar para um convento. Um professor de Filosofia (Giancarlo Giannini) é vítima perplexa do assédio sexual de uma aluna. Um vidente sem autoconfiança encontra o seu cliente ideal. E por aí afora.

La Cena tem ingredientes tão profundamente italianos quanto o molho de funghi secchi. Assuntos comezinhos como Nietzsche, Shakespeare e capitalismo de mercado servem apenas de vias de acesso para os grandes temas que realmente importam: o quê e quem comeremos no dia seguinte. Menos irônica, mas igualmente típica é a solução mágica que envelopa e deixa para trás todos os imbróglios. Neste caso, um solo de flauta que serena os ânimos do salão em momento estratégico, ou uma criança que empresta seus olhos para que enxerguemos os milagres da imaginação poética.

Scola já foi mais objetivo em O Baile, mais consequente em Um Dia Muito Especial e mais corrosivo em Feios, Sujos e Malvados. Reunido desta vez com um elenco de novos e velhos amigos italianos e franceses, ele serve seu jantar com a despretensão de quem já não tem que provar seus dotes culinários. O sabor já é familiar, o ambiente não é de luxo, mas você sempre pode confiar no maitre.

>> O Jantar pode ser assistido online gratuitamente neste link.
>> O conjunto dos filmes da mostra está disponível aqui.

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