Notas sobre os filmes O QUE A NATUREZA TE CONTA e MEMÓRIAS DE UM VERÃO
Comédia do desconforto e da dissimulação
Os fãs de Hong Sang-soo já sabem o que vão encontrar nesse seu 34º filme: gente jogando conversa fora entre copos de bebida, pratos de comida e tragos de cigarro. Em O que a Natureza Conta, o Eric Rohmer coreano leva seu cinema de gramática mínima a um ponto de quase inanição. Por pouco, aquilo não deixa de ser cinema para ser pequenas peças de teatro filmado.
Um jovem poeta leva sua namorada em casa e, impressionado com o tamanho da propriedade, aceita seu convite para entrar. Lá ele vai conhecer o pai, a irmã e a mãe dela durante o resto do dia e uma noite. O suficiente para se formar uma rede de interações que, descontada a forma simplória de filmar, não deixa de ter seu interesse.
Hong Sang-soo é mestre no que eu chamaria de uma dramaturgia indireta. Quase tudo o que sabemos sobre cada personagem é fruto de indiscrições, intromissões, suposições, julgamentos e elogios dos demais. Falar com o outro e falar do outro se alternam e se confundem. As conversas vão revelando camadas dos personagens dessa maneira oblíqua: o poeta interessado em levar uma vida independente, mas sem as armas para isso; o pai da moça obcecado pela própria mãe; a irmã supostamente deprimida mas muito animadinha; a mãe lúcida e realista como uma faca.
O que nos mantém ligados nessa troca de trivialidades não tão triviais é basicamente a interpretação hipernaturalista dos atores em conversações longas e a forma como Sang-soo leva a conversa banal a patamares de comédia. Comédia do desconforto e da dissimulação. Quando menos se espera, o papo ganha alturas imprevistas. O clímax do filme, por exemplo, brota de uma discussão sobre o “não saber” como uma forma de arrogância. Quando o rapaz enfim se dispõe a recitar um de seus poemas, chegamos a um momento hilariante, com o efeito da bebida rompendo o verniz das convenções.
Sang-soo rejeita os padrões da mise-en-scène cinematográfica. Não usa contracampos, nem tomadas descritivas do que os personagens estão vendo ou comentando. Ficamos presos numa ótica única, câmera fixa, sem intervenções de montagem. O efeito é cumulativo. Nesse filme, a graça demora a aparecer, mas não custa esperar.
>> O que a Natureza Conta está nos cinemas.
Veja aqui dois minutos de gente bebendo em vários filmes de Hong Sang-soo:
O musgo e o vento
Glenn Close envelhecida artificialmente, em performance fisicamente desafiante na qual chega a aparecer nua, é o principal atrativo de Memórias de um Verão (The Summer Book). Mas, a meu ver, não é suficiente para sustentar um filme insípido como esse.
O livro no qual se baseia, da escritora finlandesa Torve Jansson (1914-2001), é apreciado pela delicadeza e simplicidade com que narra o companheirismo de uma menina com sua avó ex-escoteira durante as férias numa ilha do Golfo da Finlândia. O filme de Charlie McDowell procura absorver essas qualidades, mas o convencionalismo excessivo supera qualquer boa intenção.
Os diálogos em inglês soam explanatórios e deslocados culturalmente. O vácuo deixado pela morte recente da mãe da garota, que nubla o espírito do pai, é um sentimento que fica apenas no enunciado, sem nunca reverberar emocionalmente. Resta uma narrativa xaroposa, embalada em música suave, muito sol poente e uma ênfase superficial no musgo, nas algas e nas escarpas da ilha.
Alguns elementos, como a aridez da ilha batida pelo vento, o farol, a menina e as canções antigas, me lembraram o belíssimo A Ostra e o Vento, de Walter Lima Jr. Mas foi somente uma impressão distante e passageira. Nem a competente atuação de Glenn Close disfarça a flacidez do filme.
>> Memórias de um Verão teve sua estreia adiada.


