São Paulo está vendo uma intensa colaboração entre o grupo Teatro da Vertigem e o documentarista e dramaturgo Evaldo Mocarzel. Na última Mostra Internacional de Cinema de SP, o público tomou contato com duas versões de BR-3: um registro da épica montagem homônima do Vertigem nas águas e margens do Tietê, e uma investigação documental da criação do espetáculo. Atualmente, Evaldo está escrevendo com Sérgio Pires a dramaturgia e concebendo o visagismo audiovisual do novo trabalho do grupo; Kastelo, baseado em Kafka, será encenado em andaimes do lado de fora do Sesc Paulista. A estreia será em janeiro de 2010.
Em abril último, o cineasta havia se juntado mais uma vez aos atores do Vertigem para documentar o inusitado processo de um exercício cênico numa passagem subterrânea há 10 anos abandonada no centro de SP. A Última Palavra é a Penúltima foi uma criação conjunta do Teatro da Vertigem com os grupos convidados Zikzira de Teatro Físico (Minas/Londres) e LOT – La Otra Orilla (Lima, Peru). O público sentava-se em vitrines laterais, como produtos, enquanto os atores e transeuntes trafegavam pelo corredor da passagem. A proposta era intervir no fluxo urbano com ações teatrais sobre o cansaço e o esgotamento das formas de olhar numa cidade massiva e sem horizonte como São Paulo. Na base de tudo, o texto O Esgotado, do filósofo Gilles Deleuze.
Nos trechos abaixo, editados do material bruto filmado por Evaldo Mocarzel, você pode ter uma ideia de como era a intervenção cênica:
Mas nada disso antecipa o que Evaldo capturou com suas câmeras durante a preparação do espetáculo. Ele me mostrou uma versão ainda em progresso, onde as imagens dos ensaios se alternam com as discussões dos atores e encenadores. Mais particularmente, a difícil adaptação do pessoal do Vertigem ao método proposto pelos diretores Fernanda Lippi, do Zikzira, e Carlos Cueva, do LOT.
Lembrei-me imediatamente de uma teoria do cinema direto americano segundo a qual o melhor elemento para o documentário de observação é a crise. É na crise que os conflitos e a realidade melhor e mais espontaneamente vêm à tona. Alguns atores do Vertigem, acostumados que são com a co-autoria, sentem-se manipulados como marionetes nas mãos dos encenadores de fora. O clima fica pesado. Em dado momento, uma atriz pede que a câmera se retire daquela discussão íntima demais. O cinegrafista se afasta, mas continua registrando à distância, enquanto o som permanece no centro do debate. É como se os temas da peça (cansaço e visualização excessiva) saltassem para o seu making of, exasperando a situação até o limite.
É claro que todo processo criativo em equipe tem dessas coisas. Aqui ainda mais, por se tratar de três equipes experimentando a convivência. O comum, porém, é que esses conflitos e ajustes fiquem na história privada do teatro. Quem assiste ao espetáculo vê apenas o resultado final. A Última Palavra é a Penúltima – o Filme vai puxar o pano e deixar à mostra um exemplo fascinante desse mundo encoberto.