Filmes de gente

Um dos grandes eventos que privilegiam o cinema documental no Rio, a Mostra Internacional do Filme Etnográfico abre hoje à noite sua 14ª (!) edição. A morte de Lévi-Strauss, a restauração de mais filmes de Adrian Cowell, a consagração de Vincent Carelli com Corumbiara e o lançamento de um novo edital do Etnodoc fazem a moldura do evento.

Filme etnográfico é basicamente filme sobre gente. As fronteiras do filme etnográfico (se as há) dentro do conjunto do cinema do real serão objeto de uma mesa-redonda que reunirá Rahul Roy, diretor do Festival Etnográfico de Nova Délhi, o antropólogo Marco Antonio Gonçalves e este que vos fala. Será na Caixa Cultural, no dia 4/12, às 14 horas.

Também na Caixa, Vincent Carelli vai ministrar um workshop (dias 27 e 28). A cineasta indiana Saba Dewan, mulher de Rahul Roy, apresentará pessoalmente seu novo filme, Naach – The Dance. Entre os cerca de 100 filmes programados, haverá uma sessão-homenagem ao Mestre Vitalino e um programa dedicado ao filme etnográfico cubano.        

Veja a programação completa no site do festival.

A seguir, alguns destaques que já tive a oportunidade de conhecer:

Mãe e filha em "Naach - The Dance"

Naach – The Dance. Saba Dewan capta sonhos e contradições de mulheres que estrelam um espetáculo de dança erótica (sem nudez) numa feira de gado na Índia. Há personagens fascinantes e uma atmosfera cheia de insinuações, coisas razoavelmente aproveitadas pelo filme. Raul Roy é produtor e cinegrafista.   

Mãe e filho em "Um Lugar ao Sol"

Um Lugar ao Sol. A vida em oito coberturas do Rio, São Paulo e Recife serviu como excelente porta de entrada para Gabriel Mascaro flagrar o pensamento cru de certa elite brasileira. Alguns depoimentos me deixaram boquiaberto com o grau de arrogância, isolacionismo, demagogia social e deslumbramento pequeno-burguês. Enfim, a eternização do sentimento de casa-grande.

Negros. Ao reunir, numa colagem cronológica, imagens oficiais e particulares da vida em Salvador ao longo de aproximadamente 80 anos, Monica Simões nos oferece uma avaliação otimista: os negros baianos passaram de figurantes serviçais ou objetos de entretenimento nos filmes dos brancos a protagonistas de seus próprios vídeos. Produzido para o DOCTV.

O Areal. Já abordado aqui no blog, esse doc rodado pelo chileno Sebastián Sepúlveda no interior do Pará venceu a recente Mostra Amazônica do Filme Etnográfico. Mostra a capacidade de perpetuação e continuidade das mitologias populares a despeito do progresso tecnológico e dos trânsitos religiosos.     

O Glorioso – São Sebastião de Cachoeira do Arari. Interessante exposição de uma festa religiosa da Ilha de Marajó pelo diretor canadense Gavin Andrews. A partir da festa (10 a 20 de janeiro) e de sua longa preparação desde seis meses antes, o filme faz uma etnografia da culinária, das lutas corporais e do sincretismo religioso típicos da cultura marajoara.

Corumbiara. O vencedor do Festival de Gramado, do Fica e do É Tudo Verdade é um filme poderoso, que vale como súmula da longa convivência de Vincent Carelli com as populações indígenas brasileiras. Uma convivência ameaçada por desconfianças, truculências e a eterna sensação de estar entre dois fogos: dos índios e de seus exterminadores.

Apartamento 608 – Coutinho.doc. Como diretora de produção de Edifício Master, Beth Formaggini também registrou os bastidores para esse que é o primeiro autêntico making of de um filme de Eduardo Coutinho. Não há melhor maneira de conhecer na intimidade o trabalho do diretor com sua equipe, os dilemas e a proverbial “insegurança criativa” com que o cineasta se lança nos seus projetos.  

A Arquitetura do Corpo. Uma belíssima aproximação do cinema ao universo da dança, destacando o que existe de árduo e doloroso no trabalho dos dançarinos. Curta premiadíssimo, imperdível para quem ainda não viu.      

Nollywood Babylon. Ligeira mas atraente introdução ao cinema nigeriano, hoje o terceiro maior polo produtor do mundo. Ben Addelman e Samir Mallal passam em revista essa história desde a época da colonização até a febre atual, sustentada por comerciantes de produtos eletrônicos e uma exótica aliança com líderes evangélicos. Um fenômeno sociológico e antropológico de primeira.

A Propos de Tristes Tropiques. Em programa especial, o festival vai exibir essa revisita de Jorge Bodanzky a Lévi-Strauss e a tribos que este visitou nos anos 1930. O filme, de 1990, sublinha a importância do Brasil na obra do antropólogo francês e dos filmes que sua mulher Dina realizou entre 1935 e 38.

Falamos de Antonio Campos. Uma poética e emotiva evocação do cineasta lusitano, morto em 1999, um outsider que dividiu sua carreira entre a ficção e o doc etnográfico. Com o mérito de nos mergulhar fartamente numa amostragem das belas imagens criadas por Campos, algumas raríssimas mesmo para os portugueses.

Gente de Fajãs. O mérito maior desse recatado doc de João Antonio Saraiva é mostrar os Açores. Ou melhor, uma das ilhas do arquipélago, a de São Jorge. Mais especificamente ainda, as fajãs, pedaços de terra que são ilhas dentro da ilha. Gente em paz com o mundo e, aparentemente, consigo mesma. E pronto.

3 comentários sobre “Filmes de gente

  1. Muito boa a iniciativa de inserir no blog os destaques da mostra, que é de grande destaque e está na décima quarta edição;

    queria deixar comentado também o filme de curta metragem da Bahia que estará presente no museu da república no dia 27/11 das 14:00 às 16:00

    “Cidade dos Mascarados”. – http://cidadedosmascarados.blogspot.com
    Quando existiam fazendas de produção de cana-de-açúcar repletas de escravos no Brasil, em uma Fazenda chamada Acupe de Santo Amaro, durante uma festividade, um dos escravos se fantasiou com folhas de bananeira e máscara de papel para fugir alcançado seu intento. Vendo aquilo, a população da comunidade passou a se fantasiar também, sempre próximo a essa data, dando origem a uma manifestação popular conhecida hoje como “Os caretas de Acupe”. O processo de produção e criação das máscaras, das saias de bananeira e de tudo que faz parte da indumentária, além da manifestação em si, quando o grupo saí mascarado pelo pequeno vilarejo levando a frente a tradição dos seus ancestrais, está documentado nesse filme.

  2. Pingback: MOSTRA INTERNACIONAL DO FILME ETNOGRÁFICO» Arquivo do Blog » “FILMES DE GENTE” — destaques da Mostra 2009 por Carlos Alberto Mattos

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