Acorde cedo ou programe seu gravador para o Canal Brasil às 10 horas da manhã de sexta-feira. A pororoca do documentário vai rolar durante o programa que Evaldo Mocarzel fez sobre Arthur Omar para a faixa Retratos Brasileiros.
Mocarzel é um artista cada vez mais inquieto. Seus programas sobre Ana Carolina e Jorge Bodanzky, para a mesma faixa do Canal Brasil, mostram como ele procura mergulhar o personagem nas suas próprias fixações para melhor retratá-lo. Com o imponderável Omar, ele meteu a mão num vespeiro produtivo.
Se a entrevista já é uma situação incômoda para o performático AO, Evaldo ainda cismou de amarrar o homem num quadro fechado, com a câmera postada de baixo para cima. Além de insatisfeito com o ângulo desfavorável a sua idade (embora favorável à vaidade), AO reclamava da opção imobilizadora. “Estou numa cadeira de dentista com a broca na boca”, comparava, pouco depois de se queixar: “Estou num documentário que é contra tudo o que penso como documentário”.
Assisti à versão longa-metragem, não sabendo exatamente o que ficou na edição de 26 minutos do programa. No que vi, boa parte do filme consistia numa altercação entre diretor (deitado no chão, fora de quadro) e personagem (na “cadeira de dentista”) sobre poder, autoritarismo, obstrução e estética. Através da discussão deliberadamente provocada, Evaldo aos poucos impunha seu modelo e conseguia o que almejava: um doc-processo, que falava de seu objeto ao mesmo tempo que de si mesmo.
No longa, Omar é visto também em afazeres domésticos, momentos de introspecção e caminhadas que Evaldo filma em busca de nexos audiovisuais. “Estou me retirando do universo da arte contemporânea (…) Agora sou um neurocientista da experiência cinematográfica.” Frases bochechudas como essas, ditas muitas vezes no limite entre a egolatria e a autoparódia, se mesclam às belas “ficções teóricas” com que AO costuma vestir seu trabalho. Mesmo com o distanciamento devido, é sempre muito bom ouvi-lo.
Update
Depois de ler este post, Evaldo Mocarzel me enviou um e-mail e me autorizou a dividi-lo com vocês aqui no blog:
“Meu amigo, gostaria de te dizer que o filme virou uma “obra em progresso” total! Só você e Jean-Claude Bernardet (e acho que também a Ivana) haviam gostado do filme. Todo o resto da humanidade a quem mostrei achou o documentário no limite do insuportável. Jean-Claude me disse que ficou muito impressionado com o embate no filme e que a discussão é “antológica”, e que precisava ser ampliada. Como já fiz a versão para o Canal Brasil com essa mesma estrutura do primeiro corte da versão longa, vou mudar tudo, dilatar o embate e vou voltar a filmar com Arthur Omar para que ele critique a montagem e também para fazer aquela sugestão sua: problematizar dentro do filme a negociação das imagens dele, que não pretendo usar, mas esse debate pode ser muito interessante, como você apontou. Levei Jean-Claude lá para casa, coloquei o filme numa televisão 50 polegadas e deixei Jean-Claude dissecar o filme, discutimos sobre alteridade e “euteridade” (neologismo jean-claudiano), o mestre me disse que Arthur Omar havia me “humilhado” dentro do filme (e eu me coloquei também numa posição desconfortável e submissa total, entrevistando-o deitado no chão), e que eu precisava reagir, as perguntas que não consegui fazer deveriam entrar no filme, assim como a minha troca de mensagens com Arthur Omar discutindo o filme. E ainda quero te entrevistar, você, Carlinhos querido, para problematizar ainda mais o processo do filme e me distanciar da versão do Canal Brasil. Moral da história: o documentário vai ser uma outra coisa, acho que também vou entrevistar a Ivana, e a nova estrutura será, como já disse, a dilatação do embate, do meu conflito com ele, ardilosamente encenado por nós dois, mas nem por isso menos inflamado do que seria se não fosse amigo do Arthur Omar. Acho que a amizade que me une a ele foi o que possibilitou todo esse processo de atritos de egos e de conceitos.”
