Hipócritas!

“Upocritès”, ensina o professor a seus alunos no primeiro ato da peça, é a palavra grega que serve para designar comediante, fingimento, hipocrisia. Ele mesmo, o professor, tem uma missão hipócrita a cumprir. Engravidou a mãe de um de seus alunos enquanto o pai estava em viagem. O capitão chega hoje e terá uma noite apenas com a mulher. É preciso levá-lo a consumar o ato sexual para que a paternidade seja disfarçada. O professor esboça um plano com uma espécie de Viagra do início do século passado.

Os desdobramentos são hilariantes, como costuma ser o Luigi Pirandello mais farsesco que escreveu essa O Homem, a Besta e a Virtude. A peça está em cartaz no Teatro dos Quatro. O conteúdo de crítica à burguesia da época pode ter se diluído um pouco, mas resta intacto o sabor de um teatro feito para transcender o seu tempo. A montagem dirigida por Marcelo Lazzaratto é muito feliz justamente por assumir a comédia plenamente, ao contrário de outras encenações que tentam tornar Pirandello mais solene do que ele é. Estamos no reino da commedia dell’arte, com caracterizações enfatizadas, gestos largos, mecânica de quiproquó, os atores principais se revezando em diversos papéis.

A produção já esteve em São Paulo e, graças ao patrocínio da Pirelli, está percorrendo o Brasil com ingressos gratuitos para professores e alunos da rede pública. Chega ao Rio bem azeitada, com um ritmo e um colorido cênico impecáveis. Gabriel Miziara, Thiago Adorno e Fernando Fecchio dominam as minúcias de seus vários personagens, enquanto Débora Duboc, a locomotiva do projeto, apenas confirma o que já se sabia: é uma das grandes atrizes brasileiras. Admirador de sua delicadeza e intensidade nos papéis dramáticos do cinema, agora encontro um dínamo de histrionismo no uso da voz e do corpo.

Esta é a segunda montagem do texto de Pirandello no Brasil. A primeira foi em 1962, pelo grupo Teatro dos Sete, ao qual é dedicada esta nova versão. A estreia na terça-feira foi marcada por uma coincidência comovente. Nos agradecimentos após os aplausos, Débora recebeu e comunicou à plateia a notícia da morte de Ítalo Rossi, um dos atores daquela primeira montagem. Parecia um último aceno, um elo de continuidade.

Veja alguns trechos da peça:

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