Nesta sexta-feira, dia 25, às 20 horas, vou apresentar uma sessão de curtas no Cine Lage, projeto mensal do Parque Lage, no Rio. Escolhi três filmes que colocam em evidência o corpo humano de maneiras muito especiais. A sessão chama-se Imagens do Corpo.
Primeiro, o rosto. Um rosto em particular, o da mítica atriz Glauce Rocha (1930-1971), amorosamente devassado por Joel Pizzini em Glauces – Estudo de um Rosto, filme de 2001. Costumo dizer que Glauces é uma espécie de nova atuação póstuma de Glauce, uma vez que Joel sampleia imagens e sons de diversos filmes e cria uma coisa inédita. Ora Glauce contracena com outros atores, ora consigo mesma. Muitas cenas saíram dos copiões de Terra em Transe, e vai ser interessante ver as locações do Parque Lage exibidas no próprio pátio da piscina. Em Glauces, o rosto da atriz é uma paisagem dramática e erótica à disposição do talento de Pizzini. O close de rosto é um fetiche absoluto da linguagem cinematográfica, com estágios importantes em Dreyer (A Paixão de Joana d’Arc), Bergman, Cassavetes e também no star system hollywoodiano, na linguagem da TV, nos talk-shows etc.
Na sequência, uma espécie de segundo rosto: as mãos. Senhoras dos gestos, das reações espontâneas, da passagem do pensamento à ação. No documentário Mãos de Outubro, Vitor Souza Lima capturou os muitos ofícios e participações na festa do Círio de Nazaré somente através das mãos e das vozes (em off) das pessoas. Materialidade e espiritualidade se encontram naqueles relatos e naquelas ações manuais carregadas de simbologia. Robert Bresson explorou como poucos a expressão das mãos em filmes como Pickpocket, Um Condenado à Morte Escapou e Mouchette. Mãos de Outubro chama atenção para essa parte do corpo como marco de identidade e aspecto de personalidade do ser humano.
Por fim, o corpo inteiro mobiizado pela dança em Arquitetura do Corpo, de Marcos Pimentel. Aqui temos um extracampo da dança como espetáculo. A atenção do curta está no esforço, na tensão e nas expectativas dos bailarinos. São músculos retesados, peles cobertas de suor, pés marcados pelas garras das sapatilhas, respiração ofegante. A dança antes de ser propriamente dança, no cansaço das aulas e dos ensaios, nos movimentos domésticos. Quando vemos uma obra de puro deleite como Pina, nem sempre pensamos na agonia e no êxtase que precedem uma apresentação. Arquitetura do Corpo nos coloca em sintonia com isso. E enfatiza o cinema como lugar da mutilação corporal através dos cortes e das escolhas de enquadramento.
Os três filmes, muito diferentes entre si, se assemelham na proposta de lançar ao corpo um olhar nada indiferente. E são todos trabalhos de grande empenho estético. A sessão de sexta-feira deverá contar com a presença de Joel Pizzini e Vitor Souza Lima.
Levem, vocês também, seus corpos até lá.
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“Glauces” é um filme maravilhoso. Pode ser especial para quem teve oportunidade de ver a atriz nos palcos. Mas pode ser que seja ainda mais interessante para quem nuca a viu “ao vivo”. Uma colagem criativa na reformatação feita afetuosamente pelo Joel Pizzini. Os outros não conheço, vou tentar ver lá (se conseguir descartar outro compromisso previamente agendado).
Torço para que você possa aparecer. E faremos um estudo dos rostos dos clones.