Em 2012 fui convidado por pessoas ligadas à Universidade Federal do Ceará para escrever um texto sobre a obra de Nelson Pereira dos Santos. Sairia num livro dedicado à participação de grandes artistas brasileiros na gestação de uma ideia de nacionalidade. Nelson estaria representando o cinema.
Revi então toda a obra disponível do diretor, procurando detectar como seus filmes encenam e discutem a identidade brasileira através de diversas perspectivas: a formação étnica, o uso da língua, a mística religiosa, a dialética entre conformismo e revolta, o papel da cultura e sobretudo da música popular, as relações com pensadores do Brasil na literatura e nas ciências sociais. Ficava claro que Nelson Pereira dos Santos constituía-se, ele também, num pesador do país através do cinema.
O texto foi entregue com o título “Em Busca das Imagens do Povo”, mas o livro não viria a ser editado. Em 2013, chamado pelo Itaú Cultural para fazer a curadoria da Ocupação Nelson Pereira dos Santos, pensei em publicá-lo no contexto do evento. As ideias ali contidas seriam o mote da curadoria, que visava oferecer ao visitante da exposição uma pequena viagem por esse Brasil de Nelson. Mais uma vez, porém, o texto teimava em permanecer inédito. Divergências entre o cineasta e a minha proposta curatorial determinaram outro rumo para a Ocupação.
Agora, dois anos depois de sua primeira versão e devidamente atualizado, o ensaio é finalmente publicado na revista eletrônica Portfolio nº 3, editada por Marília Martins para a Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Se tiver interesse na leitura, acesse o link abaixo:
“O Beijo”, dirigido pelo Flávio Tambellini, é de 1965;
Excelente apanhado da obre do NPS.
Belíssima análise , inteligente e perfeita, da obra do Mestre NPS ! Acrescentaria que , antes mesmo do Tropicalismo (1968), o filme O boca de ouro inaugura uma estética cujos fundamentos ( calcados na cultura popular, especialmente nos cenários e figurinos) mais tarde o movimento do grupo baiano tb evocaria. lembrando que O boca é anterior . Apesar de não ser a primeira adaptação para o cinema, como está escrito ( Flavio Tambelini pai filmou O beijo em 1958), ‘é o filme que libera a esquerda bem pensante para adaptar para o cinema o “reacionário “. (mas revolucionário !) Nelson Rodrigues.Sem esse filme não teríamos A falecida do Leon , nem os filmes do Jabor (Toda a nudez e O casamento). O Amuleto, com todas as referencias feitas à repressão da época, tb fala do fracasso da luta armada ( metafórica sequencia dos meninos armados que se escondem nos buracos de barrancos, tb à moda dos primeiros cristãos).Se em Fome de amor , através das palavras de Leila Diniz, “Eu crucifiquei o marxismo-leninismo na minha cabeça!!! Viva a liberdade!!”, é no Amuleto que a máxima marxista de que a religião “é o ópio do povo ” desce, definitivamente, a ladeira ao acreditar no milagre do corpo fechado de seu protagonista na sequencia final. E é tb nesse filme que o belo ponto de candomblé redefine suas convicções políticas e religiosas ( “Só deus/só deus/ será meu general ” ). Tb vale lembrar que o alienista do Azyllo , ao contrário do personagem do conto original, é um mix de médico e padre – numa alusão aos padres chamados de progressistas da Teoria da Libertação, que apoiaram a luta contra a ditadura.Não por acaso o psiquiatra usa uma sandália similar à dos dominicanos ( lembro-me dessa escolha, sempre do Nelson).
Como colaborador dele nesses anos todos como seu assistente, poderia contribuir com muitas observações pessoais e curiosidades, mas li com imenso prazer tudo o que vc escreveu nesse belo artigo ! Um abraço do Bigo.
Bigode, você é uma fonte inesgotável não só sobre NPS, mas sobre o cinema brasileiro em geral. Agradeço as informações e correções, elas são sempre bem-vindas. Se quiser escrever outro artigo sobre NPS, o blog está à disposição.
Parabéns Carlinhos, aqui v. desvenda pelo menos 2/3 da história do cinema Brasileiro, abordando a rica obra do grande Nelson Pereira dos Santos. Textos como este traz informações da formação do pensamento de cinema através dos tempos, nesse país sem memória.Deve ser adotado nas escolas, Sou utópico v. sabe, mas o sonho é que faz a realidade. Oxalá! abs.
Valeu, Paulinho, espero mesmo que o texto seja útil. Abração