O velho e bom Chico

“Nunca fui tímido. Quando era pequeno, era até chamado de ‘show-boy’”, garante Chico Buarque a certa altura do filme de Miguel Faria Jr. E é mesmo sem timidez, mas sim com simpática discrição, que ele se abre para nós numa entrevista biográfica que serve de esteio para Chico – Artista Brasileiro. Relembra a infância, o início de carreira fermentado na admiração pela Bossa Nova, a politização de sua música e a perseguição pela censura na época da ditadura, as experiências doce-amargas do exílio, o gosto da liberdade na democracia, a chegada da literatura a sua obra, e por aí afora. Junto com isso vêm as reflexões sobre memória e imaginação, as funções do inconsciente na criação musical e literária, os dilemas da maturidade e do envelhecimento.

Talvez não haja mesmo nenhuma grande novidade no perfil que já conhecemos do Chico, artista anti-estelar por excelência e cuja vida privada esteve tanto quanto possível exilada de seu mundo profissional. O que se pode esperar, então, de um documentário como esse é mesmo conviver um pouco mais com a modéstia bem-humorada e a afabilidade inteligente do cara. O seu pendor para contar histórias e contagiar o ouvinte com suas próprias risadas é um deleite permanente.

Como em Vinicius, Miguel Faria Jr. intercala depoimentos com materiais de arquivo e performances especialmente filmadas. Entre essas últimas, eu destacaria a cantora portuguesa Carminho dando cores de fado a Sabiá e o dueto malicioso de Adriana Calcanhotto e Mart’nália. De resto, não se foge muito de um certo padrão convencional de interpretações reverentes por cantores inesperados. No quesito performance, nada supera o olhar embevecido do compositor diante de Maria Bethania cantando Olhos nos Olhos em algum lugar do passado.

Embora seja bastante parcimonioso no elenco de entrevistados – somente Miúcha, Edu Lobo, Ruy Guerra e Wilson das Neves, além do próprio Chico –, Miguel criou uma estrutura narrativa que acabou se alongando para além do conveniente. Os últimos 15 minutos do filme sugerem um esgotamento e uma perda de foco que não combinam com o personagem. Quando vi o filme no Festival do Rio, achei que uma volta à ilha de edição, antes do lançamento, poderia levar o filme a seu ponto ótimo. Não voltei a vê-lo agora.

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