Docs do Prêmio Fenix 2016 – Parte 3 (final)

Quatro documentários finalistas do Prêmio Fenix 2016 tratavam de temas ligados ao próprio cinema.

EL VIENTO SABE QUE VUELVO A CASA, de José Luis Torres Leiva  (Chile, 2016)

O documentarista José Luis Torres Leiva filma o documentarista e ator Ignacio Agüero (El Diario de Agustín) no papel fictício de um diretor que viaja às ilhas do arquipélago Chiloé em busca de dados e elenco para um filme de ficção. Ele quer contar a história de um casal jovem apaixonado que pertence a duas etnias adversárias na Ilha de Meulin – indígenas e mestiços. Interditado o seu amor, eles desapareceram para sempre.

Ignacio entrevista jovens, que falam, cantam, dançam ou declamam para a câmera. Conversa também com velhos e famílias da ilha, em busca de histórias assemelhadas à que quer contar. Ouve casos de pessoas desaparecidas, parentes desgarrados, outros que pareceram mortos mas “ressuscitaram”.

Agüero é tratado como personagem de ficção, com toda uma mise en scène e planos que “esperam” sua chegada nos lugares.

Ao mesmo tempo, Leiva, através dos passeios de Ignacio, documenta suave e poeticamente a vida na ilha, as paisagens relaxantes, os animais, a mercearia, a novena para os mortos. Um retrato terno do lugar, cheio de singeleza e graça.

Tem algo de Kiarostami (o jogo fic-doc, o uso do carro, conversas na janela do automóvel) e algo de Coutinho (as entrevistas deliciosas fluindo livremente).

Fotografia muito bonita, bem composta e iluminada.


TODO COMENZÓ POR EL FIN, de Luis Ospina (Colômbia, 2015)

Luis Ospina (Agarrando Pueblo, Un Tigre de Papel), único sobrevivente dos três diretores que lideravam o Grupo de Cali (1971-1991), resolveu contar as aventuras de vida, amor, cinema e morte daquele coletivo. Depois de iniciadas as filmagens, em 2012, foi-lhe detectado um tumor, seguindo-se uma série de internações, quimioterapia, cirurgia e risco de morte. Ele continuou filmando no hospital, “roteirizado” pelo boletins médicos e ajudado pela mulher com um celular nos momentos em que ele estava desacordado.

A história dos seus colegas foi bem mais trágica. Andrés Caicedo, jovem escritor e cineasta prodigioso, suicidou-se aos 25 anos depois de muita droga e depressão. Carlos Mayolo, diretor e ator, morreu aos 61, inchado e entupido de cocaína e álcool. Ospina sobreviveu para contar, mas por pouco não perdia o jogo para a morte. O prólogo, com cenas de sua infância, é encantador.

O filme reúne num jantar amigos, colegas e ex-namoradas (nenhum deles se casou ou teve filhos), recolhe lembranças, depoimentos de várias épocas, cartas, filmes domésticos, making ofs e cenas de diversos filmes do grupo. Revisitam antigas moradas e o cinema em que faziam o cineclube, agora transformado em igreja evangélica.

Fala-se de modo de vida (viveram juntos como hippies num prédio chamado Ciudad Solar, consumiam drogas e viviam em festas), amores, luto e formas de produção. A casa de Ospina, de família rica, era ponto de encontro e produção do grupo.

O fato de ter montado o filme depois do período de doença grave pode ter levado Ospina a uma certa condescendência com o material. Tudo se alonga além da conta, os detalhes de menor importância atravancam a narrativa, coisas se repetem. Até mesmo a busca da emoção nas recordações chega a um ponto não muito condizente com a irreverência e o olhar crítico que Ospina sempre lançou aos clichês do documentário.

A impressão que fica é de um recuerdo extenso e verborrágico. Terão as estrelas de Caliwood formado de fato um movimento? Constituíram o que se pode chamar de uma geração do cinema colombiano? Tudo é contado muito “de dentro” para que eles mesmos saibam responder.

Com uma edição mais criteriosa, cortando-se pelo menos um quarto dos 208 minutos, o filme teria ficado mais palatável.


FAVIO, LA ESTETICA DE LA TERNURA, de  Andrés e Luis Rodríguez  (Venezuela, 2016)

Estranha produção venezuelana sobre a carreira cinematográfica do cineasta, ator e músico argentino Leonardo Favio, ilustrada com trechos de filmes e pequenos depoimentos do filho Nico Favio, do irmão Zuhair Jury (as falas mais perceptivas), da viúva Carola Leyton e dos atores Diego Puente (protagonista de Crónica de un Niño Solo), Federico Luppi (El romance del Aniceto y la Francisca), Edgardo Nieva (Gatica, el Mono) e Graciela Borges (El Dependiente), entre outros.

Há apenas duas menções rápidas à carreira musical e duas canções, sendo apenas uma na sua própria voz. Fala-se pouco também do peronismo. O roteiro enfatiza muito os meninos de Crónica de un Niño Solo e o inacabado El Mantel de Hule, apontando para uma visão psicanalítica, como se toda a filmografia de Favio emanasse do menino pobre e sofrido de outrora.

Uma montagem estranha põe lado a lado cenas de diversos filmes e aparentes flagrantes de ruas pobres, nem todos oriundos de filmes dele.

Depoimentos analisam a maneira como Favio lidava com o básico humano, a dicotomia entre opressores e oprimidos, o realismo e o mágico. E como tratava os personagens, todos dignos de amor.  Numa entrevista, Favio aparece de voz e rosto trêmulos, já bem doente.

O filme me pareceu ficar devendo uma abordagem mais esclarecedora das contingências da carreira e da vida dele, assim como do lugar dos seus filmes no cinema argentino.


NIÑOS DE CINE, de Kiko Márquez (Uruguai, 2016)

Em 1981, ainda na ditadura, a Cinemateca Uruguaia promoveu um inédito Curso de Cine para Niños Y Adolescentes. Objetivo: estimular o espírito crítico e a criatividade. Uma experiência de liberdade e expressão.

Kiko Márquez e Daniel Márquez (este, responsável pelo som do filme) eram então professores. Hoje se lançam à cata daquelas memórias. Outros professores e alunos recordam-se de como viam, comentavam e faziam filmes. Eles se veem nas velhas películas e se reconhecem, emocionados.

Lembram também das sensações da ditadura, especialmente os professores.

Os alunos entrevistados seguiram carreira artística – no cinema, TV, fotografia, artes visuais, poesia etc: o cineasta Martin Sastre, a atriz e apresentadora de TV Andrea Fantoni, entre outros.

Um filme-coral, um tanto careta mas de grande valor emocional para os uruguaios. Dedicado à memória de Eloy Yerle, educador cinematográfico.

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