A saga circense de Bob Dylan

Paulo Lima resenha para o blog THE ROLLING THUNDER REVUE, de Scorsese

A tão esperada estreia na Netflix do filme THE ROLLING THUNDER REVUE, de Martin Scorsese, sobre a lendária turnê de 1975 de Bob Dylan, começa com um número de mágica circense retirado de um filme de Georges Méliès, e prossegue com imagens da comemoração do bicentenário da independência dos Estados Unidos.

Scorsese procura com esse início estabelecer uma referência à aventura musical que reuniu Dylan e uma grande trupe artística, e contextualizar o momento na qual ela aconteceu.

A edição de Scorsese opera no sentido de dar um contorno narrativo à saga circense musical de Bob Dylan, buscando entender aquele happening, misto de vaudeville e commedia del’arte, mas trazendo uma mistura de documentário e ficção. Nem tudo o que se vê ali é verdade. Muitas imagens foram captadas do filme Renaldo and Clara, que Dylan realizou à época. O filme não é mencionado por Scorsese, ocultando assim o truque.

O diretor, que fez dois outros filmes com o artista, The Last Waltz e No Direction Home, inclui entrevistas com alguns dos personagens da turnê, iniciando pelo próprio Bob Dylan, que se mostra um tanto reticente em definir seu significado, afirmando de nada lembrar.

Mas é Dylan quem dá a chave para a ideia concretizada há mais de 40 anos. “A vida não serve para você se encontrar, nem para encontrar nada. A vida serve para você se criar. E criar coisas”, diz.

Sua carreira atravessava um refluxo, depois do boom criativo dos anos 60, e Dylan, eterno camaleão, precisava se reinventar.

À falsa euforia patriótica, tendo como pano de fundo as mentiras de Nixon e da política da época, Dylan contrapôs seu próprio território mítico e caiu na estrada.

A película captura a atmosfera poética e musical que, tendo florescido nos anos 60, ainda ecoava, persistindo em figuras de proa da contracultura, como Allen Ginsberg, que foi incorporado à legendária turnê e é visto em cenas impagáveis, como a visita que fez com Dylan ao túmulo de Jack Kerouac em Lowell, Massachusetts.

Para os fãs de Bob Dylan, o longa-metragem representa um carrossel de emoções, não apenas por mostrar muitas das apresentações do menestrel e mestre de cerimônias, em torno do qual gravitava toda a engrenagem da turnê, mas por revelar os bastidores, os fatos por trás das cenas.

Dylan é paparicado, endeusado, como uma divindade numa festa bacante, rodeado por belas mulheres, com o protagonismo para Joan Baez, a ex-namorada.

Rodando em ônibus, com sua divulgação sendo toda feita à boca pequena, no corpo a corpo, a caravana percorreu pequenas cidades e traz cenas curiosas de moradores alheios à efervescência do rock e à presença de seu representante mais ilustre.

Assistir ao filme de Scorsese é como poder olhar de um lugar privilegiado um capítulo especial da longa biografia de Bob Dylan. Lá estão algumas das pessoas próximas de seu círculo pessoal, como Sam Shepard, estrelas como Joni Mitchell, lendas como Ramblin’ Jack Elliot, e até mesmo a esquiva e bela violinista Scarlet Rivera, convidada por Dylan para se somar ao grupo.

Se a Rolling Thunder não foi propriamente um sucesso no sentido financeiro, deu novo oxigênio a Bob Dylan, a ponto de ter sido transformada na Never Ending Tour, que desde então o tem feito circular pelos palcos do mundo, sem dar sinal de que pretende parar, mesmo aos 78 anos.

É como se ele permanecesse fiel ao lema de uma de suas canções mais conhecidas, início de tudo: “É melhor você começar a nadar, senão vai afundar como uma pedra, pois os tempos estão mudando”. Para Bob Dylan, é sempre hora de seguir novos caminhos.

Paulo Lima

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