Uma breve reflexão sobre consciência e expectativas no momento que vivemos.
Pouco antes de entrar em quarentena, eu estava lendo Em Busca do Real Perdido, de Alain Badiou, e sublinhei o seguinte trecho:
“O real surge quando a diversão começa a se esgotar e não consegue mais nos proteger desse surgimento.”
Em seguida, referindo-se a Pasolini e a Guy Debord, Badiou considera que, na sociedade capitalista triunfante, a diversão é a rainha. “Nada mais há além da diversão. Tudo o que há é o anseio de se manter tão afastado do real quanto possível. De maneira a cultivar, comprar, alimentar e perpetuar o semblante protetor do sujeito, quando ele é cidadão do Ocidente imperial”. Para Pasolini, isso significaria “substituir a vida pela sobrevivência”.
A ideia me voltou agora, diante da iminência apocalíptica trazida pelo Covid-19. A pandemia é um Real acachapante que ameaça liquidar com toda diversão – ou melhor dizendo, com todo diversionismo. O mundo parou e nos colocou diante de uma extraordinária Realidade. A sobrevivência não depende mais da diversão (ou do diversionismo que nos afastava da ideia da finitude e da fragilidade da vida).
O coronavírus vai tomando contornos de tragédia humana só comparável à chamada gripe espanhola de 1918 e à Peste Negra do século XIV. Devastadora quase por igual nos quatro cantos do mundo, não deixa margem para ajuda mútua. Não há para onde correr nem como socorrer. O isolamento tem sido amenizado pela internet e pelos meios de comunicação até o ponto em que esses veículos forem suficientes para suprir a nossa necessidade de contato e a sociedade consiga mantê-los funcionando.
Os cuidados com a saúde física, portanto, se somam aos cuidados com a saúde mental. É preciso ocupar o tempo saudavelmente, seja em tarefas domésticas ou criativas. É preciso ler, ver filmes, ouvir música, botar a cabeça para fora de casa virtualmente. Em uma palavra, é preciso se divertir, ou ao menos se distrair. Afastar-se do real, como dizia Badiou.
Pois bem. É aí onde se instala o dilema. Como divertir-se sabendo que, naquele mesmo instante, centenas estão morrendo pelo mundo? Como distrair-se pensando no que pode vir nas próximas semanas e meses? Como entreter-se dentro de casa enquanto um exército de entregadores, vendedores, profissionais da saúde, garis, policiais e outros tantos estão se arriscando nas ruas para garantir o nosso confinamento e a sobrevivência do maior número possível? Como arejar a mente se chegamos à janela e vemos as ruas quase ermas e um silêncio de morte no ar?
Aos que sobreviverão – e todos esperamos estar entre eles – quem vai restituir esse outono perdido, os empregos perdidos, a economia arrasada e sobretudo as vidas ceifadas por esse vírus?
Estamos submetidos a uma prova duríssima, que por capricho do acaso caiu em nosso tempo de vida. Teremos que ser fortes, física e mentalmente, para suportar esse peso e, com precaução e sorte, sairmos do outro lado desse túnel escuro.
Alguma lição precisamos tirar dessa experiência nos campos da política econômica, da vivência social e da consciência individual. O coronavírus está colocando em xeque o capitalismo neoliberal e a “naturalidade” das diferenças de classe. Depois de nos defrontarmos com um Real dessa magnitude, não podemos continuar a ser os mesmos e nos alienarmos na simples diversão.
Que tipo de mundo haverá para os sobreviventes?
Um contraponto
Para amenizar um pouco o teor um tanto trágico desse texto, cito abaixo um trecho de mensagem de um certo Caboclo Águia Branca:
“Vcs foram preparados para atravessar essa crise. Peguem a caixa de ferramenta de vocês e usem todas as ferramentas que vocês têm ao seu dispor. Aprendam sobre resistência com os povos indígenas e africanos: nós sempre fomos e continuamos sendo exterminados. Mas nem por isso paramos de cantar, dançar, fazer fogueira e festa. Não se sintam culpados por estarem alegres durante esse período dificil. Vcs não ajudam em nada ficando tristes e sem energia. Vcs ajudam se emanarem coisas boas para o Universo agora. É através da alegria que se resiste. Além disso, quando a tempestade passar, vocês serão muito importantes na reconstrução desse novo mundo. Vcs precisam estar bem e fortes. E, para isso, não há outro jeito senão se manter uma vibração bonita, alegre e luminosa. Isso não tem nada a ver com alienação. Isso é estratégia de resistência.”
Carlinhos, meu irmão, gostei muito de sua reflexão. Sensata, singela e profunda. Obrigado,
Toni querido, não sei quando nos encontraremos presencialmente de novo, mas estamos mais juntos do que nunca.
Grande Caboclo Águia Branca. Alegria, sempre que possível, como prova de resistência e estratégia de sobrevivência. Vai passar…quer dizer…deve passar…um dia.
Vamos torcer pela via do Caboclo.
OI cARLINHOS, OBRIGADA por essas suas reflexões,, bem próximas das que tenho tido mas bem colocadas, claras. E o final otimista, essa mensagem da vida, é fundamental para acalmar nossa situação de privilegiados. Um abraço virtual saudoso da Vavy
Um abraço e muita saúde, Vavy querida,