Na distopia existe o Na Real_Virtual

por Batman Zavareze*

Mais uma noite…
Vai começar…
Pontualmente às 19h se inicia uma nova sessão.
Me recuso involuntariamente a chamar de aula, mesmo que não deixe de sê-la.

Márcio Blanco, produtor e realizador do Na Real, apresenta Bebeto Abrantes e Carlinhos Mattos, curadores do evento. Por trás tem Kerlon Lazzari, muitas vezes invisível, mas igualmente importante nessa equipe, dando suporte para o acontecimento se tornar real.
Esse encontro é recheado de trocas desde a chegada do público para a aula-bate-papo, seguida pela atenciosa escuta de todos, depois pela interatividade nas livres perguntas que são partilhadas com o diretor.

Na despedida, onde todos novamente se veem e se falam, abrem-se as câmeras e os áudios de todos os presentes, e permanecemos pelo menos uns 30 minutos prolongando aquela noite, até onde for possível.

Dois dias depois, mais uma sessão.
Uma mensagem virtual indica um link de um novo filme a ser visto, do próximo diretor.
Para alimentar o debate que está por vir, recebemos um link com o material didático que reforça o valor teórico do curso.

Começou novamente…
Márcio Blanco agradece aos apoiadores e ao público, reforça que sem eles nada daquilo aconteceria, pausando a distopia que vivemos e é momentaneamente esquecida por alguns instantes.

Os dois curadores, Bebeto e Carlinhos, apresentam o diretor documentarista convidado da noite, que de sua casa entra em nossas casas com uma cumplicidade e transparência que novamente nos surpreende pela sua sincera e despida entrega.

Passam filhos ao fundo, vemos a sua decoração caseira e compartilhamos a mesma experiência de nossas intimidades do lado de cá. A tela que nos separa fica invisível por instantes e sentimos a presença do diretor convidado, literalmente, ao nosso lado.

Um dia sim e outro não, estamos tendo encontros com 12 grandes diretores documentaristas do Brasil.

Durante quase 30 dias é sempre assim no seminário Na Real. 

São 200 pessoas na plateia virtual que a cada sessão, a cada olhar silencioso compartilhado, se conhecem um pouco mais. O importante é que todos ali, cineastas ou não, têm um interesse muito maior em comum: viver uma experiência de troca de saberes.

Todos aparecem na hora marcada com múltiplas carinhas de suas próprias casas, quando surge um sinal para habilitar a gravação do acontecimento. Todos se veem, porém “mutados” (todos em afetuoso silêncio coletivo), e num determinado momento desaparecem para começar uma experiência de profunda escuta, por cerca de duas horas.

Esse momento entre o público aparecer na tela e depois “sumir”, sinto que nesse reduzido lapso de tempo, o diretor convidado e seus dois mediadores se fortalecem enormemente de afeto. Então, começam um diálogo generoso, que só alguns encontros reservados, como aqueles vividos numa mesa de bar, nos proporcionam.

Mas mesmo que os três que ali conversam esqueçam que estão sendo vistos ao vivo por 200 presentes, sem imagens, no fundo todos sabem que estamos ali ouvindo com todo nosso corpo. A interatividade que surge e sustenta o Na Real ultrapassa a dimensão formal de um evento dessa natureza. A conectividade é plena.

Na Real é uma experiência, conferência, simpósio de documentário que nunca poderá ser comparado à experiência de uma sala de aula, ou a um curso presencial num auditório, onde as pessoas presentes te encarariam sempre com reações críticas, carinhosas ou muitas vezes com indiferença.

O que acontece no Zoom (plataforma digital utilizada) nesses encontros e trocas virtuais, diferente do que estamos acostumados nos simpósios presenciais de cinema e educação, é que aqui, nessa louca quarentena que vivemos no meio de uma pandemia e de um pandemônio, estamos através da tela, entrando profundamente numa íntima conversa sobre um potente e poético universo audiovisual do Brasil.

E mais, estamos todos estudando documentários e simultaneamente sendo documentados. Essa é uma peculiaridade muito especial e estimulante, estejamos conscientes ou não dela.

Somos personagens desse novo documentário remoto sobre os documentários. Basta entrar na sessão e já estaremos fazendo parte dessa história.

Este encontro-aula entremeado de intimidades, curiosidades e técnicas cinematográficas revela algo muito além dos livros, sobre aquele autor documentarista investigado.

De fato temos aqui um novo formato que só tende a evoluir entre os seus realizadores, o público e seus convidados.

Nessa experiência, há uma imprescindível latência e potência, de se estar fazendo e aprendendo, todos juntos e ao vivo.

Desde o desenho de compartilhamento de saberes que está sendo proposto no evento, às conversas sobre as estratégias de filmagem, as investigações de linguagens cinematográficas, as técnicas e os segredos esmiuçados, a humanização do processo compartilhado por cada diretor e até mesmo uma profunda vontade de ressignificar esse meio tecnológico com mais afeto, mostra que o Na Real é mais Presencial que Virtual.

O futuro das experiências e do compartilhamento de conhecimentos estão aqui desafiando a própria mediação fria de uma tela e ouso chamar essa nova obra que está sendo construída de “documentário real live”, compartilhado com 200 privilegiados voyeurs.

*Batman Zavareze é artista visual e curador do Festival Multiplicidade

5 comentários sobre “Na distopia existe o Na Real_Virtual

  1. Excepcional! Me vi em cada momento detalhado, com louvor, por Batman Zavareze. Bravo!!!
    É exatamente esse sentimento de quase tocar nas pessoas e ainda aprender com as delicadezas, afetos e conhecimento. Esse elo precisa continuar, senão teremos uma depressão coletiva pós-curso-aula-encontro-debate-troca… são tantas definições!
    Obrigada com eco, equipe Na Real Virtual!!
    👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼🎬❤️

    • Claudius querido, a divulgação foi feita basicamente através do Facebook e do Instagram. Infelizmente, o assunto não interessou aos grandes e velhos jornais, a não ser por um pequena nota numa coluna especializada da Folha.

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