Em bom momento, 3 REFEIÇÕES chega ao público através do Festival Internacional de Cinema de Santos
“Se todo brasileiro vier a ter condições de fazer três refeições por dia, minha missão na presidência estará cumprida”. Era mais ou menos assim que Lula se expressava desde que começou a correr o país como pré-candidato. A Caravana da Cidadania contra a Fome, levada a cabo em 1993 seguindo percurso do jovem Lula de Garanhuns (Pe) a São Paulo, foi o primeiro grande movimento nesse sentido e ocupa dois terços do documentário 3 Refeições, de Maria Maia.
Com poucos recursos, mas muita dedicação, a diretora acompanhou a caravana nas cidades de Jeremoabo, Canudos e Monte Santo, no sertão da Bahia. A voz de Lula entra em cena bem antes de sua imagem aparecer na intensa interação com lavradores, boiadeiros, donas de casa e famílias então à beira da miséria. Para todos ele tem uma palavra de carinho e de estímulo, junto com o abraço e o afago. Acompanhado por Marisa Letícia, cercado de gente nas ruas ou de seus consultores no ônibus, o fundador do PT era a própria imagem da esperança. Na época, fumava charutos.
A passagem por aquela região inspirou Maria Maia a associar a imagem de Lula à de Antonio Conselheiro, representado em estética mítico-sertaneja por um ator no começo do filme. Luiz Carlos Barreto vai pronunciar mais adiante que “Lula é um profeta popular”. No seu discurso em Canudos, Lula exalta a permanência do beato com palavras que iria repercutir a respeito de si mesmo quando de sua prisão em 2018: “Mataram a carne de Conselheiro mas não suas ideias, que estão aqui nesse povo”.
E o povo baiano parecia não ter dúvidas quanto ao papel de Lula no futuro do país. O professor Candido Mendes, um dos ilustres que seguiam com a caravana, comparava-a à Coluna Prestes. Zuenir Ventura também estava lá, compartilhando os elogios. Lula prometia uma coisa que, infelizmente, não teve força para cumprir: “Vamos fazer uma reforma agrária nos meios de comunicação deste país”. Se tivesse cumprido, talvez não estivéssemos onde hoje estamos.
Nessa primeira parte do filme, a diretora imprime uma coloração épica à saga nordestina através da música de Villa-Lobos, de textos de Euclides da Cunha e das remissões a Antonio Conselheiro. Longos travellings de janela de carro descrevem a paisagem seca do sertão. De súbito, um corte também seco atira o filme para dez anos depois, quando Lula toma posse no Planalto. Sobre as imagens de euforia daquele momento, inicia-se o terceiro ato de 3 Refeições, uma detalhada análise dos programas sociais que procuraram atacar as causas estruturais da fome no Brasil.
O protagonismo do documentário é então repassado a João Pedro Stédile, Patrus Ananias, Samuel Pinto Guimarães, Teresa Cruvinel e outros. Desde uma perspectiva do imediato pós-golpe de 2016, eles e elas vão refletir sobre as conquistas sociais dos governos do PT: Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Luz para Todos, Água para Todos, Programas de Aquisição de Alimentos e de Fortalecimento da Agricultura Familiar, etc. Sai Antonio Conselheiro, entra Josué de Castro.
Sem prejuízo da lucidez do que se fala, o filme assume, nesse ponto, um certo ar institucional, com imagens que sugerem propaganda eleitoral. Tanto aqui quanto na primeira parte, 3 Refeições se ressente de uma montagem muito condescendente. Imagens de cobertura ficam desassociadas das falas, o ritmo se estende e sugere que um maior enxugamento teria feito muito bem ao conjunto. Mesmo assim, a importância do material bruto, especialmente da caravana, e o balanço histórico retrospectivo fazem do filme de Maria Maia um documento merecedor de toda atenção.
>> 3 REFEIÇÕES fica disponível no site do festival até o dia 28 de março
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Filme histórico e muito bem feito.
Parabéns à diretora Maria Maia, que captou as imagens com garra e emoção!!!!