É Tudo Verdade: VENTO NA FRONTEIRA
por Paulo Lima
A questão indígena está posta mais uma vez numa produção nacional. Destoando de seus similares, no entanto, o documentário Vento na Fronteira procura mostrar os dois lados da questão. Essa estratégia narrativa proposta pelas diretoras Laura Faerman e Marina Weis permite que produtores rurais, representantes do agronegócio, exponham sua visão dos conflitos em torno da demarcação das terras dos índios.
Trata-se de um documentário de observação, centrado em áreas em disputa judicial no Mato Grosso do Sul, na fronteira do Brasil com o Paraguai, cujo protagonismo recai sobre duas mulheres. Do lado dos Guarani-Kaiowá, sobressai a líder e educadora Alenir Aquino Ximendes. Do lado dos ruralistas, desponta a figura da advogada e produtora Luana Ruiz Silva.
A distância entre as duas posições não poderia ser mais abissal. Nas ações de Alenir como professora e militante em torno da aldeia Ñande Ru Marangutu tem-se a representação dos valores e da cosmogonia dos Guarani-Kaiowá, num esforço de reivindicação da memória desse povo, na qual o vento ocupa um papel de forte simbologia, funcionando como elo entre o presente e o passado, numa relação anímica com a terra. A narração em guarani, com recurso de legenda, imprime uma atmosfera de pertencimento.
O discurso da advogada Luana, por seu turno, defende uma inversão radical da perspectiva e da experiência histórica. Segundo esse discurso, cabe aos índios o papel de agressores. Teriam sido eles que invadiram as terras dos pais de Luana, e essa experiência situada na infância a impulsionou para a advocacia e a defesa dos interesses familiares.
Na exposição de motivos de Luana se materializa o completo alinhamento da classe de produtores rurais com o ideário do governo bolsonarista a respeito dos índios. “Eles vivem na certeza da impunidade, têm uma tranquilidade de respaldo do poder público”, ela justifica. E prossegue: “Vamos precisar aí de alguns atos nessa política pública do atual governo federal pela manutenção da ordem real e não às avessas, como vinha acontecendo”.
Como ilustração da tensão entre indígenas e ruralistas, o filme exibe as imagens tenebrosas das manifestações do Acampamento Terra Livre em frente ao Congresso Nacional, em abril de 2005, durante a gestação do governo ilegítimo de Michel Temer. Noutra imagem de arquivo, o deputado Eduardo Bolsonaro evoca o direito de repressão contra os índios, quando menciona a advogada Luana como autoridade a ser ouvida na questão – imagem disponibilizada por ela durante uma exposição na OAB do Mato Grosso do Sul.
Ao périplo de Alenir em defesa dos Guarani-Kaiowá, que inclui uma viagem à Alemanha, contrapõem-se as falas de Luana em meio a intervenções públicas e encontros entre familiares e amigos. Num desses encontros, um dos produtores, ex-prefeito, se refere ao índio como “subespécie humana”.
Ao pôr na balança dois universos opostos e irreconciliáveis, Vento na Fronteira contribui para mostrar a cara de um Brasil preconceituoso e violento, manifestado no fascismo institucional que ora ocupa o centro do poder.
Paulo Lima
Exibições:
07/04 – 19h: Sesc 24 de Maio (SP)
08/04 – 15h: Sesc 24 de Maio (SP)
08/04 – 16h: Instituto Moreira Salles (RJ)
08/04 – 17h: online – É Tudo Verdade Play – Limite de 2000 visionamentos.
Muito oportuna essa matéria, Carlinhos, justamente num momento tenebroso da vida pública brasileira, quando nossos vulneráveis irmãos índios são massacrados diariamente por esse bando de perversas criaturas que, na maior cara-de-pau, passa a motosserra até na Constituição. Realmente, diante de tudo isso que aí vemos, o futuro do Brasil só poderá ser antigamente!
Muito boa e verdadeira sua frase final, Nelson. Repasso ao amigo Paulo Lima os méritos pelo belo texto.