Uma heroína nos bordéis de Mumbai

A VOZ DO EMPODERAMENTO no streaming

Sanjay Leela Bhansali, o virtuosístico diretor de Devdas e outros megamusicais de Bollywood, está com seu último rebento brilhando há um ano na Netflix. Desde os primeiros momentos, A Voz do Empoderamento (Gangubai Kathiawadi) impressiona pelos valores de produção, a fantástica direção de arte, a beleza da fotografia e – o melhor de tudo – o senso musical com que o cineasta anima seus filmes.

Nesse caso, a música propriamente dita nem chega a ser tão importante. São poucas canções em coreografias tipicamente frenéticas e um tanto deslocadas do fluxo narrativo, além de cantadas quase sempre em off. Ainda assim, o ritmo dos diálogos, do gestual e das ações deixa entrever uma musicalidade que a tudo ordena.

O melodrama de uma jovem fugida de casa e trazida do interior para Mumbai por um falso noivo que a vende a um bordel vai aos poucos desembocar numa história do submundo da máfia e da prostituição. Tudo, porém, atravessado por uma ética subversiva e feminista.

Ganga (Alia Bhatt, de RRR) é a heroína que sai da mais profunda humilhação e maus tratos físicos para se tornar uma dona de bordel e líder política empenhada na defesa das prostitutas de Kamathipura, o bairro da luz vermelha de Bombaim, atual Mumbai. A personagem é real e teve o ápice de sua luta nos anos 1960, quando era conhecida como Gangubai Kathiawadi.

O filme a retrata como uma mulher atrevida que não hesita em se aliar ao comércio ilegal de uma máfia muçulmana e ao sistema de subornos à polícia para empoderar a si e a suas companheiras. Ao mesmo tempo em que se torna uma libertadora de meninas forçadas a se prostituir, ela também advoga em favor das que dependem de vender o corpo para sobreviver. A disputa pela “presidência” do bairro com uma adversária transgênero, assim como o desafio aos cristãos que pedem o fechamento do seu prostíbulo, fazem ferver o caldeirão da polêmica.

É claro que os cânones de Bollywood levam vantagem em relação à realidade histórica. A ascensão de Gangubai parece produzida por passes de mágica e por um poder de persuasão miraculoso. Até o cinema é usado como arma na sua busca de poder e proteção aos bordéis. Sua consagração vem a reboque de um discurso inflamado perto do final.

Não há espaço para muitas sutilezas na narrativa de Bhansali, mas sua convicção cênica é tão contagiante que somos levados a relevar o implausível em nome do prazer do espetáculo. Alia Bhatt esbanja vitalidade no papel dessa heroína que bebe um bocado e sacrifica seu amor pela causa. As cenas de sedução silenciosa entre ela e um jovem comerciante são absolutamente encantadoras. O erotismo cifrado é a maneira como o cinema hindi contorna os tabus da exposição sexual.

Em duas horas e meia de louvor à sororidade e à tolerância, com um apetite cinematográfico fora do comum, esse filme justifica a admiração generalizada pelo cinema popular de Mumbai.

>> A Voz do Empoderamento está na Netflix.  

3 comentários sobre “Uma heroína nos bordéis de Mumbai

  1. Olá Carlinhos O link do treilher do final do texto, para mim deu fora do ar.

    Gangubai Kathiawadi (A VOZ DO EMPODERAMENTO)

    Um abraço! CarlosMoreira Beto

    Em dom., 11 de jun. de 2023 às 10:59, carmattos

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