Cinema indígena é estrela do Curta Kinoforum

A 34ª edição do Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo (Curta Kinoforum) começa hoje (24/8) com 301 filmes de 53 países. Tem Godard, Zé Celso, Anna Muylaert, Tata Amaral, Eliane Caffé, Toni Venturi, Beto Brant, Cristiano Burlan, André Novais de Oliveira, Carlos Adriano, Alain Fresnot, Roberto Moreira, Cao Hamburger, etc. E tem também um bom contingente de cineastas indígenas na programação. Olinda Tupinambá, Priscila Tapajowara e Takumã Kuikuro terão retrospectivas de suas obras. Diversas nações originárias estão representadas em curtas novos.

O cineasta yanomami Morzaniel Ɨramari

Os Yanomami, por exemplo, trazem dois filmes a respeito do ritual xamânico de yãkoana, um pó alucinógeno que eles inalam para fazer contato com os espíritos da floresta. Em Mãri Hi – A Árvore do Sonho, de Morzaniel Ɨramari, a voz do pajé Davi Kopenawa faz uma introdução à mítica dos sonhos. Cada tipo de gente vê coisas diferentes ao sonhar. Até os cachorros sonham. O mesmo acontece sob o efeito do yâkoana, quando os olhos do xamã viram “olhos-fantasmas”. As imagens de aparência alucinógena acompanham a digressão de Kopenawa.

Por sua vez, Thuë Pihi Kuuwi – Uma Mulher Pensando, assinado por três cineastas yanomami, se ocupa das suposições de uma mulher deitada numa rede observando a preparação do yãkoana. Os dois filmes, assim, como Yuri U Xëatima Thë – A Pesca com Timbó, foram produzidos por Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha durante uma oficina com jovens comunicadores yanomamis. A trilogia está na programação do próximo Festival de Veneza e já pode ser conferida online, junto a outros curtas indígenas, na plataforma gratuita Itaú Cultural Play até 10 de setembro.

O ator indígena Adanilo dirigiu Castanho, ficção sobre uma moça argentina que vive numa comunidade do interior do Amazonas e faz viagens misteriosas. O forte do filme, de dramaturgia rala, é a ambientação no meio turístico amazonense e a performance visceral da atriz Sofia Sahakian.

Gilberto Benites, da nação guarani, é o narrador de Ava Mocoi – Os Gêmeos, de Vinicius Toro e Luiza Calagian, já vencedor de um prêmio online no prestigiado Festival de Oberhausen (Alemanha). Numa comunidade do Paraná, Gilberto enfatiza a confiança em que Nhanderu (o deus dos guaranis) porá um fim à situação de seu povo, espremido cada vez mais por cercas numa pequena porção de um território que já foi inteiramente seu. O título se refere ao Sol e à Lua, gêmeos na cosmogonia guarani, mas também a uma imagem-surpresa que virá na última cena.

Tapuia, dos cineastas de ascendência indígena Kay Sara e Begê Muniz, remonta à época colonial, quando uma jovem imigrante italiana acolhe uma indígena ferida que está sendo perseguida pelos brancos que a haviam escravizado. A história toma um rumo trágico e um tanto desajeitado, mas o filme tem a curiosidade de ver os diretores enveredarem pelo drama histórico.

Por fim, quero comentar o belíssimo curta Onde a Floresta Acaba, rememoração poética e comovida do jornalista inglês Dom Phillips, assassinado no Vale do Javari em junho de 2022. O diretor Otavio Cury era amigo próximo de Dom, e os dois fizeram várias viagens juntos. O curta absorve fotografias feitas por Dom e filmagens domésticas no Amazonas, no Chile e na Bolívia, incluindo divertidas ficcionalizações interpretadas pelo jornalista. Cury conclui o filme de maneira tocante, imaginando para onde Dom havia olhado e o que teria pensado em seus derradeiros segundos de vida.

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