Palavra por palavra
Verbatim. Assim se chama esse modelo de cinema (e teatro) em que atores interpretam, palavra por palavra, diálogos reais gravados pelos personagens que encarnam. Estamos em mais um tipo de fronteira entre ficção e realidade. Um exemplo radical desse método é O Caramanchão (The Arbor), de Clio Barnard (2010), em que o elenco fazia playback de entrevistas originais com a dramaturga Andrea Dunbar e seus familiares. Reality não chega a tanto, uma vez que a atriz e os atores usam suas próprias vozes para refazer os diálogos. Mas o resultado é igualmente impressionante.
Reality Leigh Winner (sim, esse é o seu nome) era uma tradutora que trabalhava na NSA (National Security Agency) quando foi acusada de vazar para The Intercept um email secreto sobre a interferência russa nas eleições de 2016 em favor de Donald Trump. Reality não era nenhum Edward Snowden, mas apenas uma garota indignada contra a propaganda pró-Trump e frustrada por não alcançar sua meta profissional no serviço público.
O filme de Tina Satter, precedido pela sua peça do mesmo nome, praticamente limita-se a reencenar a abordagem de Reality por dois agentes do FBI no dia 3 de junho de 2017, em tempo muito próximo do real. Ao chegar das compras, na porta de casa, ela é interpelada com um mandado de busca e apreensão. Toda a operação foi gravada pelos próprios agentes. Os diálogos, tornados públicos pelo FBI, são reproduzidos fielmente, inclusive com interrupções nas partes censuradas ou inaudíveis, quando a imagem se pixeliza ou o áudio falha.
A simples fidelidade não seria tão importante se o material não tivesse uma dramaticidade muito peculiar. Os policiais sustentam uma conversação na qual alternam rodeios prosaicos, estocadas autoritárias e aproximações súbitas ao assunto central. A aparente gentileza, tratando de assuntos corriqueiros como animais de estimação e crossfit, vai se configurando como uma forma de tortura psicológica que visa desarmar a interrogada. Reality mantinha várias armas em casa e era tradutora de persa e afegão, razões a mais para parecer suspeita.
Mas o que magnetiza nossa atenção durante todo o filme é a trivialidade evidente de Reality, que nunca deixa dúvida sobre sua condição de pessoa comum. Por isso nós compartilhamos sua inquietação, suas dissimulações e o cerco progressivo imposto pelos agentes. A atriz Sydney Sweeney, conhecida por séries recentes, revela excelente domínio de nuances e é decisivamente responsável pela impressão que construímos da personagem.
Snowden vive hoje no exílio em Moscou. Julian Assange continua preso e ameaçado de extradição. No Brasil, Walter Delgatti está atrás das grades. Os chamados whistleblowers se arriscam para revelar segredos de governos contra seus próprios cidadãos e contra a democracia. Em sua grande maioria, têm sido punidos por isso. Reality Winner é mais uma vítima dessa dura realidade.
06/10/2023 – Kinoplex São Luiz 2 – 19:15
08/10/2023 – Kinoplex São Luiz 2 – 21:30
11/10/2023 – Estação NET Gávea 3 – 16:00
Criação e Roteirização de Séries e Games para Infância e Juventude
Este ano o Programa Geração vai apresentar uma mesa no Rio Market do Festival do Rio voltada para profissionais e estudantes que pretendem entrar para o mercado do audiovisual.
Convidados:
– Luca Paiva Mello – criador, roteirista e diretor de séries premiadas.
– Ulisses Mattos – roteirista de TV e cinema, sobretudo na área do humor.
– Maicon Fagundes – presidente do Grupo Akai, produtor de eventos de cultura nerd.
– Mediação de Bete Bullara, curadora da Mostra Geração
Quando e onde:
Domingo, dia 8 de outubro, às 15h na sede do Festival do Rio, na Rua do Russel, 76.


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