Festival do Rio 2023: Estranho Caminho

Acreditar na existência dourada do sol

O primeiro verso da canção O Cavaleiro e os Moinhos, de Aldir Blanc e João Bosco, entoada duas vezes no filme, é uma espécie de senha para a “viagem” do protagonista de Estranho Caminho. David (Lucas Limeira) é um jovem cineasta brasileiro que vive há 10 anos em Portugal e vem à Fortaleza natal trazendo seu primeiro longa-metragem para um festival. Ele hesita em procurar o pai (Carlos Francisco), de quem estava há muito afastado. O dilema o faz ter visões do pai antes mesmo de ir ao seu encontro.

A Covid 19 estava começando a se alastrar no Brasil, impondo protocolos de distanciamento social e segurança sanitária, coisas que hoje vemos com um misto de comicidade e resquícios de temor. Guto Parente tira proveito dessa situação e do estranhamento entre David e o pai para exercitar um humor peculiarmente singelo. Como a pousada onde está hospedado é fechada em função da pandemia, o rapaz pede acolhida na casa do pai, escritor de autoajuda que age com o filho de modo exatamente oposto ao que escreveu em seu livro.

Súbitas alterações no comportamento do “velho”, somadas à paranoia pandêmica e a outros micro-acontecimentos, instalam uma atmosfera de leve mistério, que só se esclarecerá nos momentos finais.

Estranho Caminho pertence a uma tendência muito contemporânea no cinema brasileiro que consiste em mesclar gêneros aparentemente desconexos em busca de um objeto fílmico não plenamente identificado. Assim são Marte Um, Bacurau, O Espaço Infinito e Tinnitus, entre outros. O filme de Guto Parente mescla comédia com drama familiar, fantasia psicológica e thriller médico para tocar no imaginário de David, um artista pretensamente experimental.

A narrativa cresce a partir da interação entre os dois atores centrais, embora não sustente o mesmo interesse por todo o tempo. A fotografia “lavada” e às vezes de muito baixo contraste ganha força nas externas, de tons mais pulsantes. A interpretação “branca” de Lucas Limeira se projeta melhor nas interações com o excelente Carlos Francisco (o Damiano de Bacurau e o pai de Marte Um). O júri do Festival de Tribeca não fez restrições a nenhum desses aspectos, conferindo a Estranho Caminho os prêmios de melhor filme, roteiro, fotografia e ator (Carlos Francisco) na competição de filmes narrativos internacionais.

08/10/2023 – Estação NET Gávea 4 – 21:45
08/10/2023 – Estação NET Gávea 5 – 21:45
09/10/2023 – Cine Odeon – CCLSR – 16:30

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