Os cinco indicados ao Oscar de documentários curtos este ano são relativamente decepcionantes. As escolhas da Academia refletem uma concepção de documentário como peças edificantes, pautadas por boas intenções, zero questionamento e nenhuma invenção. Os temas se sobrepõem amplamente sobre as formas, privilegiando histórias de superação e empreendedorismo.
O mais longo, de 40 minutos, é The Last Repair Shop (A Última Loja de Consertos), de Kris Bowers e Ben Proudfoot, sobre uma oficina de Los Angeles especializada em reparos de instrumentos musicais para crianças de baixo poder aquisitivo. O curta se apoia em depoimentos de alunos e de voluntários que trabalham na oficina. São histórias de vitória sobre a pobreza, a imigração e a homofobia. A simpatia dos intervenientes não é bastante para tirar o filme do mais absoluto lugar comum. O que foge a isso é a tentativa da edição no sentido de criar metáforas audiovisuais que conectem os relatos com o ofício de consertar instrumentos. O epílogo, com os personagens tocando juntos numa peça orquestral, é o tipo do grand-finale que levanta os ânimos e faz pensar que acabamos de ver um grande filme. Por isso imagino que seja um dos favoritos à estatueta. Pode ser visto no Youtube com legendas traduzidas automaticamente para o português.
Outro curta na linha do argumento inspirador é The Barber of Little Rock (O Barbeiro de Little Rock), de John Hoffman e Christine Turner, perfil do jovem empreendedor Arlo Washington numa comunidade negra do Arkansas (EUA). De um simples dono de barbearia Arlo evoluiu para uma espécie de banqueiro dos pobres em Little Rock. Criou a People Trust, instituição voltada para o financiamento de pequenos negócios mediante pequenos empréstimos. Acabou assumindo um papel de assistente social privado. Arlo se bate contra o que chama de “injustiça econômica”, a disparidade que impede os afrodescendentes de prosperarem nos EUA. Não deixa de compor com o mito estadunidense do herói individual à moda de Frank Capra. Também está disponível no Youtube com legendas automáticas.
Dois concorrentes vêm de Taiwan. Em Nǎi Nai & Wài Pó, o diretor taiwanês-estadunidense Sean Wang compartilha a alegria de viver de suas avós materna e paterna, ambas rondando os 100 anos. Unidas pelo casamento dos filhos, elas passaram a viver juntas como irmãs, dividindo afazeres, risos, limitações do envelhecimento e também algumas flatulências. As vovós são de fato encantadoras e o filme tem a aparência sedutora de filme doméstico, mas daí a ganhar uma indicação ao Oscar me pareceu um excesso de condescendência.
Island in Between (A Ilha no Meio), de S. Leo Chiang, retrata a ilha Kinmen, que pertence a Taiwan mas fica descolada a poucos quilômetros da China. Ali sempre foi um território de resistência contra o projeto de incorporação de Taiwan pelo grande vizinho. Mas a população vive um misto de consciência nacionalista e atração pela grandiosidade chinesa. O diretor, que já viveu na China, nos EUA e agora voltou a Kinmen, elabora em primeira pessoa um ensaio sobre essa condição. As tensões recentes entre China e Taiwan, com participações dos EUA, acendem a luz vermelha sobre o status da ilha. O curta se posiciona também no meio das opiniões, cautelosamente. Está no Youtube com legendagem automática.
O candidato mais ousado, pelo menos do ponto de vista temático, é The ABCs of Book Banning (O Abecedário da Proibição de Livros), de Sheila Nevins. O curta descortina um ataque à liberdade do conhecimento. Muitos e muitos livros são proibidos nas escolas estadunidenses, seja por censura pública, seja por restrições privadas. Temas como história dos afrodescendentes, empoderamento das mulheres e direitos LGBTQIA+ motivam o banimento ou a objeção de títulos até mesmo de autores como Toni Morrison, J.R.R. Tolkien e James Baldwin. O filme reúne manifestações de protesto por parte de autores, de uma ativista de 100 anos e – o mais interessante – de crianças que defendem sua liberdade de acesso àqueles textos. Pena que a participação desses pequenos leitores ocupe espaço bem menor, em benefício de uma longa e formulaica apresentação de capas e excertos de livros.





