Uma utopia tropical e as línguas da floresta

Sobre os documentários UTOPIA TOPICAL e LÍNGUAS DA FLORESTA

Duas vozes para organizar o pensamento

A ponderação inteligente de Celso Amorim e a lucidez crítica de Noam Chomsky fazem um belo encontro em Utopia Tropical. Dirigido por João Amorim, filho de Celso, o documentário é o que o senso comum costuma chamar de “uma aula”. Em diálogos e em falas mais voltadas para a câmera, Noam e Celso analisam os “ups and downs” das esquerdas na América Latina nos séculos XX e XXI.

A partir da identificação das origens de cada um – Noam da classe trabalhadora durante a Depressão, Celso da classe média dos anos 1950 –, eles abordam principalmente as formas como os EUA procuram exercer a dominação neocolonialista no nosso continente.

“As regras para a América Latina foram ditadas já em 1945”, ensina Noam. Contra o Novo Nacionalismo insurgiram-se os poderes neocoloniais a fim de não perderem os seus “quintais”. Assim é que as classes trabalhadoras foram sendo abandonadas em benefício do liberalismo econômico mais predador. As vitórias eleitorais mais recentes de plataformas progressistas em países latino-americanos, diz Noam, deram em governos “moderados, que não desafiaram o capitalismo.” O que não quer dizer que ele não reconheça os muitos avanços dos governos petistas, elogiados até pelo Banco Mundial como “a década de ouro” (2003-2013).

Enquanto o filósofo e sociólogo estadunidense articula observações globalizantes, Celso Amorim se prende mais ao processo brasileiro desde Getúlio Vargas, o que resulta numa boa “dobradinha” complementar. O ex-chanceler brasileiro remonta às colaborações dos EUA para os golpes de 1964 e 2016 e chega até uma análise esclarecedora das posturas bolsonaristas. Ambos citam a ênfase na corrupção e em pautas paralelas (costumes, por exemplo) como modos dissimulados de insuflar golpes de estado. Enfocam também a atuação da mídia corporativa na defesa dos interesses neoliberais e o papel das redes sociais na formação de “bolhas” e na disseminação de fake news eleitorais. “A direita está sempre trabalhando”, alerta Noam.

Ouvir esses dois pensadores de amplo espectro internacional é um privilégio que Utopia Tropical nos oferece. Ainda mais se as ideias vão sendo ilustradas por animações espirituosas do craque César Coelho. Aponto apenas um único senão: para quem precisa recorrer às legendas nas falas de Chomsky fica impossível ler também as muitas chamadas de imprensa que aparecem simultaneamente na tela. Isso é um detalhe que todo montador deveria considerar. De toda maneira, esta “aula” é uma ótima oportunidade para organizarmos o pensamento sobre a história e os destinos do nosso continente.

>> Utopia Tropical está nos cinemas.



Falar como um indígena

O Brasil originário já teve cerca de 1.500 línguas. Hoje ainda restam mais de 150, e sua sobrevivência depende de muito esforço. É sobre isso que se debruça o documentário Línguas da Floresta, de Juliana de Carvalho e Vicente Ferraz. Passam por sua câmera diversos linguistas, pesquisadores e professores de línguas indígenas, muitos deles estrangeiros ligados a instituições brasileiras.

Do Museu Goeldi, no Pará, à Aldeia Maracanã no Rio, passando pelo Museu do Índio, a USP e uma sala de aula em aldeia do Alto Rio Negro, o filme faz um inventário de pessoas e iniciativas dedicadas a registrar e preservar idiomas ameaçados de desaparecer.

Historicamente, os indígenas foram instados por colonizadores e missionários a abandonarem suas formas de expressão oral em troca do português como língua homogeneizadora. Hoje muitos deixam de lado seu vocabulário original para não sofrer bullying e preconceitos. Como nos conta, em bom português, a linguista alemã Karolin Obert, co-autora do argumento original, há indígenas que já não sabem mais a que etnia pertencem. Os evangélicos de hoje perpetuam a descaracterização que vem dos tempos coloniais. Em contrapartida, há um forte movimento no sentido de resgatar essas línguas e não deixá-las morrer.

O magnífico 500 Almas, de Joel Pizzini, saiu em busca dos vestígios da língua dos guatós do Mato Grosso. Sem querer comparar os dois filmes, vale dizer que Línguas da Floresta procura algo semelhante, mas abrindo o leque para vernáculos diversos. Vai buscar Lévi-Strauss como pioneiro desse tipo de pesquisa e encontra hoje um pequeno contingente de indígenas e intelectuais para quem estudar essas línguas é um ato político. Um ato de resistência à degeneração da vida.

>> Línguas da Floresta estreia neste sábado (8/3), às 21h30, na CineBrasilTV, com as seguintes reprises: 11/03/2024   Segunda 22:30 / 13/03/2024   Quarta 15:00 / 15/03/2024   Sexta  23:00 / 17/03/2024   Domingo 07:00 / 19/03/2024   Terça 16:00 / 21/03/2024   Quinta 05:00 / 23/03/2024   Sábado 13:30 / 25/03/2024   Segunda 00:00 / 27/03/2024   Quarta 22:30 / 29/03/2024   Sexta 03:00 / 31/03/2024   Domingo 14:00

>> A partir deste sábado (8/3), a programação da CineBrasilTV estará disponível também na plataforma de streaming CINEBRASiLJá, que vai disponibilizar a programação diária para os assinantes do canal.

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