Orlando não está só

ORLANDO, MINHA BIOGRAFIA POLÍTICA

O filósofo e escritor transgênero espanhol Paul B. Preciado considera que Virginia Woolf escreveu a biografia dele em 1928. Era Orlando, romance em que o/a personagem-título muda de sexo no meio da narrativa. Em seu filme de estreia, Paul se propõe “atualizar” o livro de Virginia mediante as experiências de 26 pessoas trans contemporâneas de diversas procedências e idades, dos oito aos 70 anos.

Orlando, Minha Biografia Política é um misto de filme-ensaio e manifesto contra o “império binário”, no qual os conceitos de masculino e feminino seriam meras ficções políticas que engessam as identidades na heterossexualidade normativa. Com estética e posturas queer, oscila entre o documentário de cabeças falantes, cenas ficcionalizadas, musical e frestas (reais ou falsas) para os bastidores da filmagem. Um filme não binário, por assim dizer.

Os/as participantes se apresentam nominalmente para o espectador, tal como acontecia no pioneiro O Caso Norte, de João Batista de Andrade. As falas sobre suas próprias transições de gênero se mesclam com trechos do livro de Virginia Woolf e referências ao seu contexto histórico e literário. Virginia era uma mulher lésbica não assumida, fato que Paul louva e ao mesmo tempo deplora em suas intervenções em voz over. Ele destaca aspectos que ainda não se insinuavam no tempo de Virginia, como a obsessão psiquiátrica pela normatividade, os tratamentos hormonais e as vicissitudes do mundo digital.

Como construir uma vida orlandesca, pergunta-se o diretor. Sua opção é buscar uma narrativa coletiva que contemple as inúmeras “estações” da mudança de gênero. Sobressai a defesa da liberdade de não escolher. Ao mundo binário opõe-se um mundo sem gênero, um território a explorar. No pano de fundo, o desejo de fazer da vida uma obra de arte.

Há um bocado de criatividade na maneira como Paul agencia os/as participantes. Ao mesmo tempo que incorporou as “montagens” de cada um/a, usou figurinos alusivos e uma gola aristocrática que unifica todos os seus Orlandos. O filme resulta bonito, divertido e sério em seu libelo pelo reconhecimento da infinita diversidade de gêneros, sexo e sexualidade.

>> Orlando, Minha Biografia Política está nos cinemas.   

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