NINGUÉM SAI VIVO DAQUI
Em 1979, o documentário Em Nome da Razão flagrou as condições degradantes em que os internos eram mantidos no hospital psiquiátrico Colônia, em Barbacena (MG), então chamada de “A Cidade dos Loucos” devido ao número de casas do gênero. O impacto daquele filme de Helvécio Ratton teve papel importante na luta antimanicomial. Em 2016, o Colônia voltou às telas no documentário Holocausto Brasileiro, de Daniela Arbex e Armando Mendz, baseado no livro de Daniela, premiado com o Jabuti. Ali se desvendava a história de uma instituição onde morreram mais de 60 mil pessoas devido a abandono, incúria e maus tratos.
O livro serviu de base também para André Ristum criar a série Colônia e esta versão para o cinema. Ninguém Sai Vivo Daqui é uma ficção inspirada em histórias de pessoas enviadas por seus parentes, como punição ou degredo. É o caso de Elisa (Fernanda Marques), internada pelo pai depois de recusar-se a um casamento forçado e ficar grávida do namorado que amava. Um falso diagnóstico de esquizofrenia lançava a moça no que Daniela Arbex comparou com um campo de extermínio. A violência em nome da razão.
Era 1971, e o Colônia funcionava como uma sucursal dos porões da ditadura. Trabalhos forçados, doenças desassistidas, eletrochoques, sequestro de bebês nascidos no local… O suficiente para enlouquecer de fato uma pessoa sã. Elisa desenvolve relações de afeto com alguns pacientes – e as mantém mesmo depois que eles vão morrendo. O thriller psicológico, escrito por Ristum em parceria com os experts Marco Dutra e Rita Glória Curvo, ganha desde cedo tinturas de horror – um horror que emana da instituição para a psique dos internos. A eficientíssima trilha musical de Patrick de Jongh e a fotografia monocromática de Hélcio “Alemão” Nagamine são fatores decisivos para a atmosfera inquietante que se mantém ao longo dos 86 minutos do filme.
Estão presentes diversos tropos do gênero, como o feitor hediondo (Augusto Madeira), a funcionária compassiva, a companheira maternal e o intercâmbio entre vivos e mortos. Mas há também circunstâncias surpreendentes que renovam o interesse a meio caminho da narrativa. A instrumentalização dos hospitais psiquiátricos para isolar pessoas indesejadas socialmente – tão bem retratada em Bicho de Sete Cabeças – recebe agora abordagem cinematográfica mais que razoável.
>> Ninguém Sai Vivo Daqui está nos cinemas.


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