Um velho carvalho chamado Ken Loach

O ÚLTIMO PUB

A onda de ataques da extrema-direita a imigrantes, muçulmanos e até judeus no Reino Unido, nos últimos dias, criou um contexto candente para a estreia brasileira de O Último Pub (The Old Oak). O mais recente filme de Ken Loach aborda a chegada de uma família de refugiados sírios a uma aldeia do nordeste da Inglaterra. Eles são recebidos com hostilidade por moradores de um local já empobrecido depois de um passado próspero fomentado pela mineração.

Loach e seu parceiro de sempre, o roteirista Paul Laverty, não pretendem justificar o sentimento xenófobo dos aldeões, mas deixam claro como a penúria atual instiga o ódio contra os estrangeiros que contam com a ajuda de bons cidadãos para seu acolhimento. Até as crianças locais se ressentem de não ter os presentes (de segunda mão) que são destinados às “de fora”. Ou seja, há um quadro complexo que exacerba os preconceitos e a agressividade de quem já os carrega dentro de si.

O pub The Old Oak (O velho carvalho) vem dos tempos de glória dos mineiros. Seu dono, TJ  Ballantyne (interpretado por Dave Turner, um bombeiro aposentado), luta para mantê-lo de pé e se solidariza com a família síria. Aproxima-se especialmente de uma jovem fotógrafa (a doce Ebla Mari, oriunda das Colinas de Golã), razão suficiente para entrar na mira dos frequentadores raivosos, que se julgam os donos da aldeia. TJ é o típico personagem loachiano, um humanista de modos simples, que reconhece o valor dos trabalhadores mas lamenta que isso nunca tenha prevalecido de fato no seu país.

Entre ameaças, sabotagens e atos de violência, o pub se torna o pomo da discórdia na aldeia. Mas Laverty e Loach não dispensam a crença nas utopias populares. Daí que a cozinha do The Old Oak vai também representar um inusitado território de empatia e congraçamento entre os locais e os “ragheads” (“cabeças de trapo”, termo pejorativo destinado aos árabes por seus véus e turbantes).

A curva dramática de O Último Pub passa por pontos-chave da filmografia de Ken Loach: uma distinção bem clara entre pessoas magnânimas e gente deplorável; a compaixão pelos que sofrem com os horrores do nosso tempo; e a fé na possibilidade de redenção e entendimento recíproco. Este pode vir a ser o seu último filme, conforme ele mesmo anunciou. Será o possível testamento de um cineasta que, como o pub de TJ, teima em plantar-se como um bastião contra os discursos de intolerância.

>> O Último Pub está nos cinemas.

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