Grande cerrado: veredas

SANTINO

A obra documental de Cao Guimarães se reparte entre a observação minuciosa de pequenos fenômenos do mundo e de personagens ao mesmo tempo simplórios e extraordinários. Entre esses últimos destacam-se o eremita Dominguinhos da Pedra em Alma do Osso e os personagens-título de Andarilho. O veredeiro Santino Lopes de Araújo é mais um dessa estirpe. Em seu pedaço de cerrado no norte de Minas Gerais, junto à mulher e às três filhas, ele trata a Natureza com grande intimidade e uma veia preservacionista.

Em Santino, Cao o escuta, filma seu cotidiano de roceiro e inventor. A singeleza se mistura com a expertise. Santino criou um engenhoso sistema de irrigação com que luta contra a seca e as queimadas da mata. Conhece as plantas medicinais como um enciclopedista, mas sua mulher não confia muito em seu receituário. “Eu falo pra minhas filhas: seu pai tem um lado bom, depois sei lá o que acontece e ele já fica do lado ruim”, ela alerta.

Santino tem essa dualidade: é muito prático nas coisas materiais, mas se apega também ao misticismo e aos encantamentos. Lembrando um pouco o discurso de Estamira (no filme de Marcos Prado), ele se diz “controlado” por alguma instância invisível. Acredita que estamos próximos do apocalipse, mas ao mesmo tempo anuncia que o futuro é promissor. Sua mística tem um cunho progressista: “Estamos vivendo num plano-escola para aprender a construir um mundo melhor”.

Típico personagem que parece à espera de um documentarista, Santino compartilha sua curiosidade pelas coisas naturais e espirituais. Tal como Dominguinhos da Pedra, ele também recebe estudantes em seu roçado. Recomenda aos jovens o cuidado com o meio-ambiente, do qual todos dependemos.

Santino, o filme, não chega a acrescentar muitos tijolos à filmografia do diretor. É basicamente um documentário de escuta, quase tão modesto quanto o entorno do personagem. A trilha sonora da dupla O Grivo, como sempre, dialoga estreitamente com o jeito poético de Cao ao enquadrar as epifanias mínimas do mato, do fogo e da labuta. O ato de coar um café ou uma traquitana pendurada em qualquer lugar podem ser tão importantes quanto um grand finale. Santino e Cao, no fundo, se parecem.

>> Santino está nos cinemas em S. Paulo.

Deixe um comentário