SALÃO DE BAILE
Niterói, 2022. Num salão da cidade, diversas performers se reúnem para uma competição especial destinada a uma filmagem. Elas se colocam em diversos estágios de não-binariedade, com predominância de negras transgênero e LGBTQIA+. Ao som de batidas vibrantes, se exibem como dançarinas de rua, pseudo-modelos em passarela ou simplesmente fazendo caras e bocas. As coreografias variam entre o vogue e o funk, segundo diversas categorias. Em comum, os figurinos e maquiagens extravagantes, as gírias cheias de anglicismos e as atitudes desafiadoras a todo tipo de normatividade.
Salão de Baile, vencedor do Mix Brasil, descortina a cena ballroom do Rio de Janeiro, povoada principalmente por jovens de comunidades e da periferia. As “batalhas” de vogue são momentos de festa narcísica que pontuam a vida de suas praticantes e levam suas “corpas” ao êxtase artístico. O resto do tempo se passa nas “houses”, espécie de quilombos onde vivem comunitariamente, acolhidas umas às outras e protegidas da transfobia da sociedade e, quase sempre, de suas próprias famílias. Levam pseudônimos estrangeiros e se classificam como Mothers, Princesses, Pioneers, Legendaries, Icons, Stars, etc. O acesso, ao que parece, é permitido apenas aos iniciados naquele caldo de cultura.
O ballroom surgiu com negros e latinos na Nova York da década de 1970 e se plasmou em celuloide no clássico documentário Paris is Burning (1990), de Jennie Livingston. De certa forma, este filme e Tongues Untied (1989), de Marlon Riggs, foram modelos de documentário performativo seguidos por Salão de Baile, em que a atuação nos salões e os testemunhos das personagens têm o mesmo valor e uma mesma natureza. O vogue surgiu no mesmo contexto, com os performers gays imitando gestos e passos de modelos que posavam para a revista Vogue. A branquela Madonna ajudou a popularizar o estilo com o hit homônimo em 1990, e é sintomático que só seja citada en passant, e de maneira irônica, em Salão de Baile.
O ballroom brasileiro usa a estética e a nomenclatura estadunidenses como atalho para uma herança afrodiaspórica. A ênfase identitária mira no racismo e na intolerância de gênero. Ao mesmo tempo, busca afirmação pela assertividade nas falas e no manejo dos corpos. A diversidade é uma característica dos grupos, mas, como vemos numa sequência de “treta” interna, o discurso libertário não impede que a comunidade seja bastante codificada. O documentário dirigido pela dupla Juru e Vitã, frequentadora da cultura ballroom, consegue transmitir a energia, o colorido e algumas dissenções dessa “tribo” efervescente.
>> Salão de Baile está nos cinemas.

