O cineasta canadense Matthew Rankin é mais um dos enfeitiçados pelo encanto universal do cinema iraniano. Quando mais jovem, ele passou três meses em Teerã com a intenção de estudar cinema. No Canadá, costuma interagir com a comunidade iraniana de Winnipeg. Desse mix resulta o originalíssimo Linguagem Universal (Une Langue Universelle / Universal Language). Nesse seu segundo longa-metragem, Rankin também atua no papel de um funcionário público que larga o emprego e um tanto mais que isso para sair em busca da mãe, que há muito não vê.
Mas por onde ele anda?
Por um território imaginário que mescla características de Winnipeg e Teerã. O urbanismo e a arquitetura sugerem a nudez e a falta de história da cidade canadense, enquanto os letreiros são em caracteres árabes, como no Irã, e a língua dos habitantes é o farsi (ou persa). Mais que isso, a dramaturgia esparsa e lacônica procura evocar sintagmas do cinema iraniano, especialmente dos filmes de Jafar Panahi e Abbas Kiarostami quando este dirigia produções educativas do Kanoon, o Instituto para o Desenvolvimento Intelectual de Crianças e Jovens da era do xá.
Assim, entre os vários fios de história que tecem o filme, cruzando-se aqui e ali, temos um professor de francês divertidamente irascível com os alunos, um menino em busca dos seus óculos perdidos, outras crianças às voltas na tentativa de retirar uma nota de dinheiro de um bloco de gelo. Há também um vendedor especialista em perus, um comerciante de lenços Kleenex, uma coletora de lágrimas, um homem-árvore de Natal e ainda um guia empenhado em divulgar as inexistentes atrações turísticas de Winnipeg.
Tudo desliza de sentido na neve que cobre a paisagem, entre bairros definidos por cores (bege, principalmente) e uma cenografia rígida que lembra as fábulas de Wes Anderson. Rankin chama isso de metarrealismo, herdado de seus admirados autores iranianos. O humor é muitas vezes irresistível, seja na brincadeira com as obsessões dos filmes de Panahi e Kiarostami, seja na comicidade dos letreiros comerciais ou no contraste entre o que vemos na tela e como os personagens àquilo se referem.
Surrealismo, sátira nacionalista à identidade canadense e uma certa inocência das figuras humanas se misturam nesse híbrido de duas culturas tão diferentes. Uma dualidade que se estende por todo o filme, inclusive nas travessuras da montagem com o campo-contracampo, para finalmente dar um salto espetacular no último ato envolvendo os personagens de Matthew (Rankin) e Massoud (interpretado pelo corroteirista Pirouz Nemati). Linguagem Universal é uma obra ao mesmo tempo arejadamente inovadora e cheia de ressonâncias deliciosas.
>> Linguagem Universal estreia no Brasil em 2025.
Trailer legendado em inglês:


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