HOMENS DE BARRO e MADELEINE À PARIS nos cinemas
Barro Humano
Um trabalho minucioso e caprichado de luz, assinado por Bruno Polidoro, é o que primeiro se destaca nessa coprodução Brasil-Argentina filmada no Rio Grande do Sul. A sensualidade da iluminação é fundamental para a proposta da diretora Angelisa Stein de contar uma pequena história de amor e ódio com a delicadeza possível.
Pássaro e Marciano são amigos inseparáveis na infância, resistindo como podem à pressão dos respectivos pais para que não andem juntos. Moram em casas vizinhas e ambos os pais administram olarias concorrentes. A rivalidade entre as famílias remete à trama de Romeu e Julieta, mas com um desvio fundamental. Ao crescerem, os dois amigos se afastam por obra de uma herança de ódio e sangue legada pelos respectivos pais. Pássaro, contudo, vai se aproximar afetivamente de Ângelo, o irmão mais novo de Marciano.
O título Homens de Barro alude não só ao ofício dos oleiros, mas à fragilidade básica da condição humana quando contaminada pelo rancor. O roteiro, escrito em conjunto com o codiretor argentino Fernando Musa, cria certa expectativa quanto ao retorno de Marciano à trama, que vai definir o desfecho insinuado já na primeira cena.
Vários motivos podem mover Marciano: ciúme, repulsa homofóbica, capitulação ao atavismo paterno. É difícil perceber claramente. O filme mantém as emoções em banho maria, condicionadas a um tratamento visual contemplativo que só se altera nas cenas em família ou nas noitadas da danceteria em que muitas coisas se definem. As sequências de homoerotismo são mais meigas do que a média do que vemos em filmes dirigidos por homens. Mas a emergência do trágico nos lembra que o amor “proibido” está sempre na mira do conservadorismo social.
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Sincretismos franco-brasileiros
O Bonfim tem chegado a Paris nos últimos 23 anos. É Le Lavage de la Madeleine, evento que reproduz nas escadarias da célebre igreja parisiense o ritual de lavagem da Basílica do Senhor do Bonfim de Salvador. A cada setembro, um festival de cultura e gastronomia brasileiras acontece no local, atraindo dezenas de milhares de pessoas, entre brasileiros, franceses e turistas. Um trio elétrico faz a festa, que até há pouco se estendia ao interior da igreja com uma “missa” afro embalada por atabaques do candomblé.
O idealizador foi um baiano arretado que vive em Paris desde que lá chegou com um grupo de timbalada 31 anos atrás. Roberto Chaves é a estrela de Madeleine à Paris, documentário da também baiana Liliane Mutti. Através desse personagem queer e interreligioso, o filme procura descortinar uma série de sincretismos e dualidades: o catolicismo e a umbanda, o masculino e o feminino, o brasileiro e o francês, o carnal e o espiritual, o sacro e o profano. Há mesmo um participante que sustenta terem sido Jesus e Madalena, a santa pecadora, “duas liberdades que andavam juntas”.
No dia a dia, Robertinho atua como animador do tradicional cabaré Paradis Latin. Nas férias, costuma voltar a Santo Amaro da Purificação, como mostra o filme em uma dessas oportunidades. Ali então ele revê parentes e velhos amigos, como Roberto Veloso, irmão de Caetano, e recarrega as baterias da espiritualidade no terreiro de um babalorixá gay que o trata como irmão.
O documentário tenta cobrir as várias atividades de Robertinho, mas o faz de maneira um tanto atabalhoada, sem o cuidado que o personagem merecia. A filmagem é bastante amadora e o roteiro/ montagem passa por cima de coisas importantes. O processo de estabelecimento de Roberto em Paris, ainda muito jovem, é um aspecto que justificaria um mínimo de aprofundamento. Mais grave ainda é o vácuo deixado entre o perfil pessoal de Robertinho e o evento de porte considerável que toma as ruas próximas à Madeleine a cada ano. Considerando que todo o filme aponta para esse grand finale, é frustrante que não saibamos como ele se concretiza e nem tenhamos um registro satisfatório da lavagem.
É importante ressaltar que, mesmo com esses senões de planejamento e esmero técnico, Madeleine à Paris desperta interesse por essa manifestação afro-brasileira na capital francesa. Ademais, Roberto Chaves é uma figura simpática, alheio a estrelismos, e que conserva uma franqueza e uma simplicidade cativantes. Às vezes é difícil decifrar sua fala veloz e dicção arrevesada, mas o carisma resta intacto.
>> Madeleine à Paris está nos cinemas.
