MILTON BITUCA NASCIMENTO
A longa e linda travessia de Milton Nascimento pelos palcos da vida e pelos corações brasileiros teve um possível grand finale em 2022, quando a turnê A Última Sessão de Música (The Farewell Tour no exterior) passou por várias cidades brasileiras, além de Inglaterra, Itália, Espanha, Portugal e EUA. Foram momentos de intensa emoção, com a voz etérea de Milton ecoando memórias quase ancestrais de todos nós.
Um resumo dessa viagem está no documentário Milton Bituca Nascimento, de Flávia Moraes. Curtíssimos trechos dos shows estão entremeados com uma profusão de testemunhos, não raro emocionados, de brasileiros e estrangeiros que reverenciam Bituca como alguém quase extraterreno. Como explicar Milton? De onde vêm aquela música e aquela voz? Será jazz? Será África? Será Minas?
O elenco de reverenciadores é enorme: Caetano, Gil, Chico, Djavan, João Bosco, Simone, Spike Lee, Herbie Hancock, Paul Simon, Pat Metheny, Fito Páez, Mano Brown, Criolo, Sérgio Mendes, Krishna Das, Ivan Lins, Maria Gadú… Sem falar nos companheiros do Clube da Esquina. Nem todos os estrangeiros entendem o que dizem as letras, mas admitem sentir o indizível que está nos acordes e na forma de Milton cantar.
Assumidamente, o filme é uma hagiografia, uma missa coral em louvor do artista. Mas sabe criar momentos únicos que calam fundo no nosso acervo afetivo. Não são somente as músicas que nos levam às lágrimas, mas também a comoção de quem as ouve nos shows, a conexão profunda que existe entre Milton e o público. Como não se abalar com a declamação de Morro Velho por diversas vozes e o bandolim de Hamilton de Holanda? Ou com Milton, sentadinho numa cama, se deliciando com a audição de Babalu cantada por Angela Maria? Ou ainda com ele cantando Bridges diante da Ponte do Brooklyn e seu encontro com um debilitado Wayne Shorter?
O roteiro (Marcelo Ferla e Flavia Moraes) e a montagem (Laura Brum e Flavia Moraes) criam uma narrativa dinâmica, que salta entre cidades, palcos e falas, assim como recupera sinteticamente um pouco da infância de Milton e da história de sua ascensão dentro e fora do Clube da Esquina. Mas é preciso considerar que isto não é uma biografia, nem mesmo o perfil de uma fase de sua carreira. Trata-se da síntese de uma despedida profissional e um tributo ao gênio ainda em vida.
Se posso fazer um reparo a Milton Bituca Nascimento, corro o risco de soar sacrílego. A narração de Fernanda Montenegro me pareceu completamente supérflua e mesmo prejudicial ao mood do documentário. O texto é pastoso e nada acrescenta ao que os participantes já dizem ou as músicas já expressam. E o tom de Fernanda, com toques de overacting vocal, chegou aos meus ouvidos como um corpo estranho e artificialmente solene. Tudo o que Milton não é.
>> Milton Bituca Nascimento está nos cinemas.

