Teatro e educação holística

OROBORO

Em Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa sonhou que “Vida devia de ser como sala do teatro, cada um inteiro fazendo com forte gosto seu papel, desempenho”. A frase podia servir de epígrafe para o documentário Oroboro. Nele, dois grupos de jovens e adolescentes ensaiam montagens de Grande Sertão e da ópera A Flauta Mágica, de Mozart. São alunos e alunas do Colégio Rudolf Steiner de Minas Gerais, escola de elite que emprega o método Waldorf de educação, criado no início do século XX pelo filósofo alemão Rudolf Steiner.

Pablo Lobato, um dos criadores do coletivo mineiro Teia, interrompeu sua dedicação às artes plásticas dos últimos anos para capturar em filme as dinâmicas dos dois grupos. É de sua natureza ir além da mera observação, para isso contando com a montagem descentrada (a quatro mãos com Luiz Pretti) e uma trilha sonora imersiva de O Grivo.

O processo de criação dos dois espetáculos, na verdade, é um caminho para o que parece ser a proposta de fundo de Oroboro: descortinar uma pedagogia holística em que a arte desempenha papel especial. Em paralelo às aulas de matérias convencionais, os alunos são levados a uma série de atividades que incluem a pintura, o artesanato, a escultura, a gastronomia e o ambientalismo. Interagem com a mata ao redor e dali tiram materiais naturais para a confecção da cenografia e da maquiagem. Os animais do entorno natural criam um esboço de narrativa paralela sobre comida e sobrevivência. Oroboro, por sinal, é um palíndromo associado a uma serpente mítica que morde o próprio rabo, assim formando um círculo que representa o ciclo da vida.

A encenação visceral de Grande Sertão pode ter alguma inspiração na já célebre montagem de Bia Lessa, a que os alunos aparecem assistindo num rápido trecho do filme. Os ensaios de A Flauta Mágica exibem performances vocais nada desprezíveis para adolescentes. Vale aqui destacar que todos são brancos, com uma única exceção, o que sugere um recorte de classe no corpo discente.

Assim como Moscou, que Eduardo Coutinho e Enrique Diaz experimentaram com o Grupo Galpão, Oroboro não pretende ser o making of dos espetáculos. Pode-se achar o filme um tanto evasivo e retraído como muitos dos seus personagens, que não conseguem conter os sorrisos de timidez. A captação do som também deixa a desejar em várias passagens.

>> Oroboro está nos cinemas.

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