É Tudo Verdade: Um Olhar Inquieto – O Cinema de Jorge Bodanzky

O homem com a câmera

“Tendo as imagens, eu já tenho tudo”, diz Jorge Bodanzky a certa altura desse documentário autobiográfico assinado por ele e por Liliane Maia. Não por acaso, o livro que eu e ele fizemos juntos se chama O Homem com a Câmera. Bodanzky considera o aparato de filmagem (atualmente, um celular) uma extensão do seu olhar e do seu corpo. Como fotógrafo, cinegrafista e diretor, sua obra é uma masterclass sobre o poder das imagens.

Nesse filme ele passa em revista boa parte de sua obra, ao mesmo tempo em que retorna a um local importante do início de sua carreira. Na selva do Mato Grosso, em 1973, ele filmou do avião uma maloca isolada de indígenas cinta-larga, que teriam desfechado flechas para o alto em direção à aeronave, aquela coisa por eles desconhecida. Cena semelhante seria encenada por Hector Babenco em Brincando nos Campos do Senhor.

Em 2022, Bodanzky voltou ao Mato Grosso em busca de vestígios de memória desse episódio e do Projeto Humboldt, uma cidade científica que foi planejada e nunca concretizada. Enquanto filma com seu celular, o cineasta é filmado por uma equipe, em regime de registro duplo. Tem um encontro comovente com um topógrafo capturado por sua câmera quando criança no Mato Grosso. Faz contato também com cinta-largas que estariam na maloca sobrevoada pelo avião.

Numa terceira camada – e que acaba sendo a mais preponderante –, Bodanzky comenta seus principais trabalhos, seja as reportagens aventurescas que fazia com o jornalista Karl Brugger para a TV alemã, seja os seus filmes para cinema. Iracema, Gitirana, Caminhos de Valderez, Terceiro Milênio e A Propósito de Tristes Trópicos ganham as maiores atenções e situam a obra do cineasta num fértil cruzamento entre a antropologia e a política, o ambientalismo e a realidade social brasileira.

Há ali um tesouro de imagens, nunca vistas antes, das viagens de Bodanzky pelo Brasil e a América Latina. Histórias de um cineasta sempre em movimento e pronto para expedições às vezes inusitadas. Como a procura de uma certa cidade sagrada de Akakor no coração da Amazônia.

Um Olhar Inquieto: O Cinema de Jorge Bodanzky, no entanto, me deixou uma inquietação. As imagens do sobrevoo de 1973 não permitem identificar o disparo de flechas contra o avião. Precisamos acreditar nos relatos orais. Isso contradiz a afirmação de Bodanzky de que Um Olhar Inquieto seria um filme onde as imagens falariam por si. Ao contrário, por mais que as imagens falem, é sua voz que narra sua trajetória. Isso, porém, em nada invalida a importância desse novo contato com Bodanzky e seu imprescindível arquivo, hoje aos cuidados do Instituto Moreira Salles.

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