Papo reto nas escolas
Detentor de uma menção especial do Júri Jovem da Mostra Generation 14 Plus no último Festival de Berlim, Hora do Recreio é um filme que tem muito a dizer dos jovens e para os jovens. Foi rodado em duas escolas públicas cariocas, da Zona Norte e do Vidigal, e espaços de teatro de bairros populares. Lúcia Murat engendrou uma forma habilidosa de captar as inquietações de estudantes dos ensinos médio e fundamental diante dos problemas que afligem a sociedade como um todo.
É angustiante ver e ouvir os relatos dramáticos de meninos e meninas sobre violência doméstica em seus lares, discriminação racial, homofobia, transfobia, exploração sexual, aborto, tráfico de drogas, a necessidade do trabalho precoce, etc. Essa é uma realidade de que temos, sim, conhecimento, mas nem sempre nos deparamos, cara a cara, com os seus efeitos sobre a galera adolescente. E o que ela pensa sobre isso.
O racismo sobressai como tema mais frequente nos desabafos e indignações dos estudantes. São muitas as queixas contra a vigilância discriminatória e as abordagens policiais violentas de jovens negros. Como parte de uma rotina sinistra, uma operação policial no Complexo da Penha suspende as aulas e impede uma filmagem. Lúcia incorpora esse contratempo, assim como os vídeos de moradores mostrando a tensão na comunidade. É um fator que atinge não só o filme, mas principalmente a qualidade da educação no Rio.
Hora do Recreio atesta a jovialidade do cinema de Lúcia Murat e sua antena sintonizada com a atualidade, apesar de uma extensa filmografia voltada para o passado recente. Ela fertiliza o filme com raps, poesia e deslizes constantes do documentário para a encenação. O episódio da operação policial, por exemplo, é entrelaçado com uma performance visceral acerca do medo, da violência e da morte.
Em outro módulo, a atriz Luciana Bezerra faz as vezes de professora (e preparadora de elenco) para uma turma que encena a trama do romance Clara dos Anjos, de Lima Barreto, em que uma jovem negra sofre abusos de um cafajeste branco. Os/as estudantes trafegam com naturalidade entre a dramatização e os comentários sobre suas próprias vidas.
O filme é, de certa forma, uma façanha técnica em termos de captação de imagem e som, e principalmente de montagem, esta a cargo do mestre Mair Tavares e Marih Oliveira. Além do êxito na apreensão do pensamento volátil nas salas de aula e das quebras de continuidade que dão energia à edição, a estrutura oscilante entre documentário e performance acaba por refletir o trânsito entre escola e vida, educação e construção de consciências.


