EU NÃO SOU EU e ALEGORIA URBANA
Um inusitado programa duplo chegou aos cinemas Arte UFF (Niterói) e IMS-SP reunindo um média-metragem de Leos Carax e um curta de Alice Rohrwacher. Dois cineastas de obra peculiar e excêntrica no cinema europeu.
Eu Não Sou Eu (C’est pas Moi) é um documentário realizado por Carax para uma exposição que não aconteceu no Centro Georges Pompidou. Instado a responder à pergunta “onde você está?”, o realizador de Sangue Ruim, Os Amantes da Pont Neuf, Pola X, Holy Motors e Annette criou uma colagem bastante idiossincrática de trechos de seus filmes, clipes de clássicos do cinema, arquivos históricos e filmagens domésticas. Ou seja, Carax respondeu dizendo que está mergulhado na cachoeira do cinema, num fluxo cujo sentido talvez só ele possa de fato apreender.
Tudo está envelopado num formato próprio de Godard: a recusa à continuidade, os letreiros enormes sem serifa na tela e até mesmo a voz ronronante de Jean-Luc imitada pela narração de Carax. A inspiração na História do Cinema de Godard parece clara, e por isso mesmo despropositada.
Das poucas conclusões a que cheguei ao fim dos 40 minutos, verifico que Carax já filmou muita gente correndo em sua carreira e explorou um bocado seu alter ego, o ator Denis Lavant. De resto, as coisas ficam um tanto vedadas, tal como os olhos de Carax, sempre ocultos por trás dos seus óculos escuros. Para quem se lembrar de Magritte e seu cachimbo, essa pode ser uma obra de despiste. Um cineasta serão mesmo os seus filmes?
Carax aparece como um diretor de teatro no curta Alegoria Urbana (Allégorie Citadine). Depois da parceria com Agnès Varda em Visages, Villages, o fotógrafo de grandes proporções JR se juntou a Alice Rohrwacher nesse pequeno delírio poético da diretora, sempre conectando o passado com o presente, a erudição com o divertimento. No caso, a parábola da Caverna de Platão se presta à microaventura de uma mãe que chega atrasada a uma audição de balé e não percebe que o filho pequeno saiu de perto (da caverna) para as ruas de Paris. De repente, a paisagem começa a se modificar à medida que as paredes são descobertas das megafotos de JR que as cobriam. Coberturas e suportes equivaleriam às sombras e à realidade na dicotomia de que falou Platão? Um diálogo sutil com o clássico O Balão Vermelho e com o cinema de Leos Carax? Não sei bem, mas é bonito e lúdico.


