MEMÓRIAS DE UM ESCLEROSADO
Depois de uma carreira consagrada no Brasil e no exterior, o cartunista gaúcho Rafael Corrêa viu suas habilidades serem seriamente comprometidas pela esclerose múltipla. Gradativamente nos últimos dez anos, ele foi perdendo a capacidade não só de desenhar, mas de atos simples como entrar no box do banheiro ou levar um copo de água à boca.
Em 2015, cinco anos depois de diagnosticado, Rafael começou a publicar quadrinhos autobiográficos em que exorcisava sua doença. Esse material, animado e somado a muitas filmagens domésticas, é a base do documentário Memórias de um Esclerosado. Juntamente com a realizadora Thais Fernandes, Rafael construiu um depoimento audiovisual de grande inventividade e profunda consciência a respeito do seu estado e da arte que iria preservar o seu alto astral.
Não se trata de mais um louvor à superação e à resiliência, como tantos que vemos por aí. Rafael não dissimula suas dificuldades, nem seu eventual desalento com a vida restrita que tem sido possível. Ao mesmo tempo, porém, transforma a dor e a deficiência em estímulo para a imaginação criadora. Tombos, acidentes e dificuldades se convertem em matéria de uma comicidade um tanto melancólica, é verdade, mas ainda assim muito sugestiva.
Ao mesmo tempo que desfia suas memórias, Rafael elabora mentalmente sobre sua condição. Inventa uma vida paralela em que a esclerose não existe, ou brinca com a culpa por ter maltratado um sapo quando criança. Esse episódio rende uma divertida antropomorfização do sapo que pontua o filme e vai contracenar com Rafael numa das cenas finais mais bonitas que vi no cinema ultimamente.
Memórias de um Esclerosado tem um belo roteiro e ganhou os principais prêmios do CinePE, além de vários no Festival de Gramado. O filme aparece aqui como mais uma frente para esse artista compartilhar um talento que não cede à deficiência. A esclerose múltipla não tem cura, mas não pode refrear a criatividade.
>> Memórias de um Esclerosado está no Cine Arte UFF (Niterói) e em salas de São Paulo e de outras cidades.
