O Dadá-ismo da montagem

O CANGACEIRO DA MOVIOLA na plataforma Sesc Digital – e uma nota sobre MAESTRA

Vocês devem se lembrar que em Tenda dos Milagres, de Nelson Pereira dos Santos, há um filme dentro do filme, que está sendo feito pelo personagem do Hugo Carvana. Numa cena, Carvana aparece na moviola ao lado do montador. Este era um montador de verdade, um dos maiores do cinema brasileiro. O carismático Severino Dadá de vez em quando é convidado para chegar mais cedo e atuar em pequenos papéis. Uma figura querida, um nordestino da gota que ganhou o apelido de Cangaceiro da Moviola.

O cineasta, professor e pesquisador Luís Rocha Melo realizou esse perfil de Dadá com a atenção e o carinho merecidos. O eixo central é a volta de Severino à cidade natal de Pedra, no sertão pernambucano, para filmar o seu curta A Nave de Mané Socó, história de uma ameaça vinda do espaço que aterroriza uma pacata cidade sertaneja. Sim, Dadá também se aventura na direção, como foi o caso do documentário Geraldo José – O Som sem Barreiras, sobre o célebre sonoplasta.

Diante do imenso lajedo que deu nome a Pedra, Dadá recorda suas origens, seus primeiros trabalhos como radialista e nas cercanias políticas de Miguel Arraes. Foi preso político em 1964 e mudou-se para Recife antes de se radicar no Rio de Janeiro para trabalhar com cinema. Suas histórias, sempre muito divertidas, incluem a iniciação como montador a partir de uma sugestão engraçada feita a um diretor. Como assistente de Nelo Melli, aprendeu as mumunhas do corta-e-cola. Quando Nelson Pereira dos Santos o chamou para montar Amuleto de Ogum, aquilo foi o seu mestrado, como gosta de dizer. Foi nos créditos daquele filme que Severino Odair de Oliveira Souza apareceu pela primeira vez – e a sua revelia – como Severino Dadá.

Nelson, Rosemberg Cariry, Wolney Oliveira e Octavio Bezerra aparecem em O Cangaceiro da Moviola falando da parceria com o montador. Dadá trabalhou com uma vasta gama de cineastas que inclui Rogério Sganzerla, Zózimo Bulbul, Fernando Coni Campos, Luiz Rosemberg Filho e Luiz Paulino dos Santos.

O filme de Luís Rocha Melo é tanto mais efetivo quanto procura honrar o ofício de Severino Dadá. Ou seja, é um filme de montagem, que extrapola a mera cronologia biográfica para fazer associações laterais e explorar as possibilidades da edição. Ora manipulando os materiais de arquivo com graça e impacto, ora recorrendo às cenas de filmes para exemplificar o estilo Dadá-ista de montagem, Luís constrói um retrato cativante. Um documento para a história do nosso cinema.

>> O Cangaceiro da Moviola está na plataforma gratuita Sesc Digital como parte da mostra Amor ao Cinema.

Mulher de obra

A distribuidora Descoloniza Filmes está disponibilizando o documentário Maestra para sessões autogeridas em cineclubes e espaços similares. Dirigido por Bruna Piantino e montado por Clarissa Campolina, o filme de 60 minutos enfoca mulheres trabalhadoras na construção civil que integram o projeto social Arquitetura na Periferia, em Belo Horizonte. Tudo se organiza em torno de Cenir Silva, simpática mestra de obras que lidera suas companheiras nos mutirões para construção e reparos de casas.

Não é muito comum vermos o feminino nesse ofício, muito menos com o alto astral que parece prevalecer em Cenir e suas colegas e aprendizes. O filme, quase simplório em sua abordagem, observa a convivência dessa turma, dentro e fora do trabalho. A perícia de Cenir nos vários ramos da arquitetura popular é o maior atrativo de Maestra.

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